Dorimar: de garçom da Icomi a dono da banca revistas mais tradicional do AP

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A maioria das cidades possui lugares onde a “velha guarda” se reúne nos fins de semana e feriados para relembrar histórias, discutir política, futebol, e jogar conversa fora. Esses locais geralmente são bares e praças, mas em Macapá esse referencial foge dos padrões convencionais. Os encontros são numa banca de revista, a Banca do Dorimar, numa das esquinas mais movimentadas do centro da capital: Avenida Presidente Vargas com a Rua Cândido Mendes, na Praça Veiga Cabral.

A banca é comandada até hoje Dorimar Marques Monteiro, de 71 anos, que há 40 anos desembarcava em Macapá para montar o empreendimento que se transformaria em um dos locais mais conhecidos da capital.

Mas nem tudo foram flores na vida desse vigiense de personalidade forte. Ele conversou com a equipe do site SelesNafes.Com sobre a perda da mãe, a infância pobre em Vigia, o difícil recomeço como garçom do restaurante da Icomi e a preocupação dos jovens. Acompanhe alguns trechos.

 

SelesNafes.Com: Como você chegou ao Amapá?

Dorimar: Vim para o Amapá quando ainda tinha 12 anos de idade em busca de uma vida melhor. Na verdade, vim seguindo os passos de meu pai que desembarcou aqui para trabalhar na Icomi em 1954. É como dizem: os estranhos que vinham no passado para o Amapá, estavam atrás de emprego ou fugiam da polícia. Eu vim atrás de emprego. Saí da Vigia, município do Pará, e fui direto para o município de Porto Grande onde meu pai foi trabalhar.

Porta-retrato com foto dos tempos de garçom na Icomi

Porta-retrato com foto dos tempos de garçom na Icomi

O que o senhor lembra da época que morava em Vigia?

Dorimar: Lembro que não tive tempo para brincar. Perdi minha mãe aos nove anos de idade e tive que começar a trabalhar. Hoje isso é trabalho escravo, mas as circunstâncias me levaram a trabalhar desde cedo. Fui morar na casa de um parente e meus irmãos se espalharam. É um momento da minha vida que não gosto de lembrar. Essa parte a gente pode pular. Mas apesar dos pesares foi uma época muito proveitosa, pois a gente pega porrada e aprende. Foi o meu caso. A vida me fez ter responsabilidade muito cedo, o que moldou o meu perfil trabalhador.

Você disse que morou primeiramente em Porto Grande. Como chegou em Macapá realmente para montar o seu empreendimento?

Dorimar: No início morei em Porto Grande até os 14 anos. Depois fui para Calçoene onde morei até os 18 anos e trabalhava como vendedor no comércio local. Após isso me empreguei na Icomi, era garçom do restaurante executivo que ficava em Serra do Navio. Sai de lá em 1974 aos 32 anos. Foi quando cheguei em Macapá a convite de um cunhado, que estava montando uma banca de jornais e precisava de alguém para ajudar. Assim surgia a Banca do Dorimar.

Fachada. O nome da primeira Banca do Dorimar era "Canarinho", uma homenagem à Seleção Brasileira de Futebol

Fachada. O nome da primeira Banca do Dorimar era “Canarinho”, uma homenagem à Seleção Brasileira de Futebol

Você afirmou que trabalhou na Icomi. Uma empresa que diverge opiniões entre os amapaenses. Qual a sua opinião sobre a mineradora?

Dorimar: Se alguém fala mal da Icomi é porque não trabalhou lá e não sabe da realidade. Se a Icomi fez alguma coisa errada, foi por conta de políticos que estrangulavam a mineradora e a impediam de fazer o Estado prosperar mais.

A sua banca sempre teve esse nome “Dorimar”?

Dorimar: Em 1974, quando aceitei o convite do meu cunhado, era ano de Copa do Mundo, por isso decidimos por chamá-la de “Canarinho” fazendo uma homenagem ao futebol brasileiro. Mas depois, quando o local começou a ficar conhecid,o as pessoas já falavam que tinham que passar com o Dorimar para comprar o jornal. Assim, todo mundo começou chamar Banca do Dorimar, um nome que foi adotado com o tempo. E até hoje é uma referência.

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Da esquerda para a direita: Aroldo Vitor, Guilherme Jarbas, Dorimar, Vicente Arli e Zé Filho. Encontro marcado na Banca do Dorimar

E como o local se tornou um lugar de reunião de amigos?

Dorimar: No passado as pessoas passavam por aqui para comprar os jornais da época, que eram produzidos no Pará e só chegavam aqui três dias depois de circular em Belém. O local foi se tornando um ponto para se buscar notícias. Quando percebi, as pessoas já se reuniam para conversar sobre os assuntos contidos nos jornais, e assim acontece até hoje. Todos os domingos e feriados um grupo de amigos da velha guarda chega para um papo esperto.

E nesses quarenta anos de banca, o que o senhor observou de mudança na cidade?

Dorimar: A cidade cresceu bastante. Observo desde 74 que a cidade realmente cresceu. Quando cheguei aqui as principais ruas como São José, Cândido Mendes e Tiradentes terminavam em pontes. A cidade foi se desenvolvendo, mais em alguns governos e menos em outros. O importante é que em todos houve prosperidade, claro que também aconteceram mudanças negativas, principalmente entre as pessoas. Hoje não existe respeito entre as pessoas. Essa falta de respeito aumenta ainda mais entre os jovens.

O senhor se arrisca a explicar as razões dessa mudança?

Dorimar: Eu tive que trabalhar desde cedo, e isso moldou minha forma de enxergar o mundo. Hoje se alguém trabalha aos nove é considerado trabalho escravo, mas o trabalho engrandece a pessoa e aumenta a responsabilidade. Hoje os Jovens só querem saber do que não presta, e ainda são incentivadas pelas programações televisivas e pelos conteúdos da internet.

Qual a realidade dos jovens hoje?

Dorimar: Hoje os jovens só querem saber de ver pornografia na internet. Além disso, a programação televisiva sempre coloca muitas besteiras ao alcance das pessoas. A internet é que molda os jovens de hoje. O pior é o falso moralismo que observamos nas manifestações que aconteceram. No passado, nossas reivindicações eram pelo bem de todos. Hoje não, as pessoas só querem saber o melhor para o seu partido político. Elas se juntam para “lutar por melhorias”, mas o que querem mesmo é dar visibilidade ao seu partido político, e assim conquistar o poder e ficar apenas comendo os impostos da sociedade. Muitos aparecem como salvadores da pátria, mas no final querem apenas ser mais um a desviar dinheiro público.

Como o senhor avalia as conquistas da sua vida?

Dorimar: Não tenho do que me queixar. Consigo me sustentar, criei todos os meus filhos, e a maioria já tem família. Hoje descanso e continuo minha vida. Fico feliz em saber que já sou parte de Macapá e que faço parte dessa história. Fico mais feliz ainda porque sei que promovi dias melhores para meus quatro filhos, seis netos e dois bisnetos.

 

Seles Nafes
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