O desafio de entrar numa sociedade que não entende o Down

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Foto acima: Lena dos Santos e o filho Rodrigo, de 13 anos.

Por Anderson Calandrini

Na semana que passou, comemorou-se o Dia Internacional da Síndrome de Down (21 de março). A anomalia provoca limitações intelectuais, mas não de caráter. Mesmo assim, o convívio com os portadores ainda é carregado de preconceito e desinformação. As escolas não estão preparadas para receber alunos com Down e muito menos serviços públicos essenciais com ônibus. Solitária na luta contra o preconceito e no desenvolvimento educacionais, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais no Amapá (Apae) só consegue hoje atender os alunos até o quinto ano. Depois disso, para o pavor dos pais, o portador da síndrome terá de alguma forma que se inserir na sociedade, apesar do gigantesco despreparo das escolas convencionais.

Naziele Almeida (mãe), José, Letícia e Patrícia Galvão (mãe): medo do despreparo da sociedade

Naziele Almeida (mãe), José, Letícia e Patrícia Galvão (mãe): medo do despreparo da sociedade

Os portadores da Trissomia do Cromossoma 21, ou Síndrome de Down, sofrem com o preconceito por causa da capacidade intelectual reduzida. Foram anos de luta para criminalização de verbetes pejorativos, como mongol ou mongoloide, que eram aplicados pelo próprio descobridor da síndrome, John Langdon Down, em 1958. Uma realidade que em pleno século XXI, vem trazendo uma nova imagem social às pessoas portadoras da síndrome.

Momento de descontração no refeitório infantil da Apae

Momento de descontração no refeitório infantil da Apae

No Amapá, nenhuma entidade dedicada a essa causa é mais respeitada e empenhada que a Apae, que na última sexta-feira, 21, fez uma programa especial para marcar o Dia Internacional da Síndrome de Down, levantando mais uma vez o discurso contra o preconceito que saiu dos consultórios médicos mas ainda é encontrado em escolas de ensino público ou particulares que ainda não estão preparadas para atender alunos com a síndrome.

Um preconceito que pode trazer prejuízos aos conceitos dos pais, quando descobrem a síndrome. Só para se ter uma ideia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 90% dos pais ainda escolhem pelo aborto ao descobrir o distúrbio genético que provoca a síndrome. Uma realidade que pode ser explicada inclusive com o mau preparo dos médicos. “Até os especialistas não sabem tratar o assunto com cautela, e são, em alguns casos equivocados nas formas de repassar a notícia aos pais”, frisa Patrícia Galvão, mãe de Letícia Morais da Costa, de 13 anos, portadora da síndrome.

Patrícia acredita que toda essa falta de preparo a deixou com muito medo quando descobriu que sua filha era portadora, um medo que faz com muitos pais cheguem a abandonar a criança por não saberem o que fazer a respeito. “Aqui na Apae existem muitos casos de pais que abandonam os filhos, que deixam a responsabilidade só com a mãe por não aceitar a situação especial do filho. Temos até um caso de um aluno que é criado pelos avós, pois os pais biológicos o abandonaram”, revela.

Esse foi o caso de Lena Vânia dos Santos, mãe e professora de portadores da síndrome. Ela conta que o marido não aceitou a situação do filho. “A minha reação no início foi com preconceito, tinha apenas 17 anos, e não sabia o que fazer, principalmente depois que o pai do meu filho nos abandonou ao descobrir a síndrome. Tive que aprender a ser mãe e pai ao mesmo tempo e lutar com as adversidades em torno da situação do meu filho. Só pude começar a tomar as rédeas da situação quando conheci a Apae, onde comecei a entender psicologicamente e cientificamente a situação e lutar por melhoras na educação do meu filho”, recorda Lena, mãe de Rodrigo Lopes dos Santos, de 13 anos.

As duas mães são assistidas pela Apae desde os primeiros meses dos filhos e agora temem por outro impasse, pois a associação atende crianças até o equivalente ao quinto ano. A partir de então, as crianças devem se preparar para o convívio social em escolas públicas ou particulares, com o decorrer da vida estudantil. “Nunca procurei escolas públicas, e esperamos que com o incentivo a Apae possa ofertar cada vez as séries superiores para os portadores possam passar um tempo a mais na instituição. No meu caso, tenho que preparar o meu filho para receber mais essa carga, em meio ao convívio para as escolas dos ditos normais. Uma realidade que vem esbarrando na falta de preparo para o recebimento de alunos especiais em muitas instituições”, queixa-se Lena.

Alunos adultos da Apae. Atendimento só até o equivalente ao quinto ano,

Alunos adultos da Apae. Atendimento só até o equivalente ao quinto ano,

Para a direção da instituição, essa realidade de inclusão já está presente na Apae. “Para facilitar a inclusão, a Apae tem atendido crianças não portadoras de necessidades especiais, uma forma de fazer uma socialização dos nossos alunos e amigos da associação que atende portadores da síndrome de 0 à 40 anos. A medida do que temos, realizamos vários atendimentos para ajudar os pais de portadores, com assistência médica, odontológica, fisioterápica e de acompanhamento psicológico aos pais que estão ingressando na associação nesse momento”, explica o diretor da Apae, Abel da Silva Mendes.

Mas a falta de preparo de professores das escolas convencionais preocupa. “Quando descobri que seria mãe de um portador, não estava preparada, mas a vida e o convívio me prepararam, assim deve acontecer com os professores que devem, com o tempo, se especializar para esse atendimento às pessoas com necessidades especiais”, analisa Patrícia Galvão.

Para esse atendimento toda uma estrutura social deve ser modificada, o que não implica apenas em uma especialização dos professores, mas também da sociedade. “Não é apenas em instituições de ensino que encontramos essa precariedade, um exemplo claro é o transporte coletivo. Várias vezes o meu filho já foi impedido de subir, mesmo apresentando a carteirinha, ou seja, falta o conhecimento social para o tratamento das pessoas com a síndrome. Pois existem vários direitos, que não são cumpridos por conta da falta de conhecimento da sociedade”, desabafa Naziele Almeida, mãe de José Uarlison Almeida, de 9 anos.

Para todas essas mães, a luta ainda está no início, mesmo com a superação de vários tabus sociais. Porém, essa evolução da sociedade, em relação ao assunto, deve acontecer gradativamente com convívio social.

 

Seles Nafes
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