Artista “sem nome” transforma restos de obras em arte sacra

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A arte é realmente o suspiro da alma. Um dom compartilhado com muitos, mas dado a poucos. No extremo Norte do Brasil, em terras tucujús, nasceu e cresceu um artista que trouxe nas veias o dom de pintar e fazer mosaicos em peças da construção que poucos acreditam ser o espaço ideal para arte. Revestimentos como ladrilhos, lajotas, azulejos, tudo vira espao para o talento de Augusto Santos do Espirito Santo, de 47 anos. Ele diz que o dom é de Deus, e a família argumenta que é herança artística do pai de Augusto.

O artista plástico não gosta de aparecer e nem fazer propaganda do seu trabalho. Quando era criança ficou encantado com as obras renascentistas retratadas nas paredes e muros de igrejas. Um dia experimentou fazer uma pintura e aí aflorou o dom. Logo foi contratado para fazer diversas obras em igrejas, sítios e casas.

Azulejos viraram telas para imagens emblemáticas do catolicismo

Azulejos viraram telas para imagens emblemáticas do catolicismo

O artista “sem nome” (ele não assina suas obras) reside na Rua Hildermar Maia, esquina com Avenida Aymorés, Bairro do Beirol. Usando a arte, Augusto deu um toque especial na sua casa e na rua onde mora. Com dificuldade Augusto foi convencido a tirar uma foto ao lado de um dos seus trabalhos. Em uma conversa descontraída falou sobre o início da carreira e as ideias novas de trabalho. 

Selesnafes.com: O que lhe inspirou a fazer pinturas?

Augusto Santos: Quando eu era adolescente frequentava a igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Na frente tinha uns painéis. Eu sempre ficava olhando, admirado com a beleza das obras. Nessa época eu tinha vontade de pintar, mas ficava só olhando. Achava aquilo lindo. Na maioria das vezes eu ia pra lá só para admirar os painéis que ficavam bem na frente.

Um dia, Augusto juntou restos de uma construção e  começou a pintar

Um dia, Augusto juntou restos de uma construção e começou a pintar. Aqui, homenagem à Nossa Senhora de Aparecida

SN: Quando começou a fazer pinturas em painéis?

AS: Um dia eu passei numa rua e vi pedaços de azulejos de uma construção jogados no chão. Juntei alguns, levei pra casa e comecei a treinar. Gostei daquela brincadeira e fui me aperfeiçoando. Ninguém me ensinou, aprendi sozinho.

SN: E a partir de quando você começou a ganhar dinheiro com isso?

AS: A coisa começou a crescer em 1977, através do padre Paulo Roberto, da igreja Jesus de Nazaré. Ele me incentivou, comprou tinta, pincel. No início eu não queria. Fugia dele, mas ele insistia que era um dom e me procurava em casa. Um dia ele me encontrou no centro comercial, me levou na loja e comprou tudo que eu precisava. Tinha medo de começar a pintar, de errar, de ouvir bronca. Quando fiz um painel para a igreja todos adoraram e eu comecei a ganhar dinheiro.

SN: Você sempre ganhou a vida vendendo seus painéis?

AS: Não. Eu trabalhei em várias empresas revendedoras de bebidas. Passei um tempo na Prefeitura de Pedra Branca e só depois que comecei a pintar e garantir meu sustento com a arte.

SN: Qual o maior painel que você fez até hoje?

AS: Foi na igreja de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, em Santana. Hoje quem está lá é o padre Claudinho, amigo meu. Eu fiz uma pintura usando o painel em azulejo inteiro, ainda não fazia mosaico nessa época.

O mesmo resultado pode ser alcançado em pratos. Aquii um dos símbolos do Amapá

O mesmo resultado pode ser alcançado em pratos. Aquii um dos símbolos do Amapá

SN: Quando surgiu a ideia de fazer mosaico?

AS: Um dia fui a Biblioteca Pública visitar meu amigo Gibran Santana. A gente começou a conversar e ele estava folheando uma revista, onde apareciam alguns mosaicos. Fiquei pensando como faziam aquilo de lajota toda cortadinha. Levei a revista pra casa. Então comecei a juntar pedaços de lajota e fiz o primeiro.

SN: Fazer arte em mosaico é muito trabalhoso?

AS: É um exercício de paciência. Às vezes eu erro uma peça e tenho que começar do zero. Tem que ter muita paciência mesmo, ainda mais quando é letra. Eu corto os pedacinhos com uma máquina turquês e isso é trabalhoso. No momento estou recebendo muitos pedidos de pintura de outros estados por causa da Copa do Mundo.

SN: Como você adquire seu material de trabalho?

AS: Se eu te contar você não acredita. 90% dos trabalhos que eu faço são de materiais reciclados que eu acho na rua. Lajotas inteiras, quebradas, isopor e até papelão. Junto tudo e separo o melhor pra usar. Compro poucas coisas como cola industrial, po exemplo. Depende muito do local onde o mosaico vai ficar.

Dois golfinhos formados por um quebra-cabeças com restos de lajotas

Dois golfinhos formados por um quebra-cabeças com restos de lajotas: talento e paciência

SN: Qual o diferencial do seu trabalho?

AS: Não há ninguém no estado do Amapá que faça assim, bonito, bom e barato. Isso sem contar que o material e reciclado e dura muito tempo

SN: Quais as igrejas onde você tem mosaicos e painéis?

AS: Igreja de São Pedro, Nossa Senhora de Fátima, igreja Divino Espírito Santo, Bom Pastor. Eu gosto da Bom Pastor, atrás do altar fiz o batismo de Jesus. Eu fiz também na Cristo Rei, Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, São Benedito e Desatadora dos Nós .

SN: Boa parte das suas obras está em igrejas. Porque esse vínculo forte com o catolicismo?

AS: Minha família era católica fervorosa. Fui criado dentro da igreja e me apaixonei pelas artes por meio de obras pintadas nas paredes das igrejas. Além disso, meus primeiros trabalhos foram para igrejas. Então, meu vinculo é forte. Acredito que recebi um dom de Deus e tenho que retribuir de alguma forma.

 SN: Seu pai também era artista?

AS: Meu pai construía e pintava barcos no interior. Mas quando ele morreu eu nem pintava ainda. Minha família diz que isso foi herdado dele. Meus filhos pintam e meus sobrinhos também. Às vezes eu só desenho e eles pintam direitinho. Mas, meu pai faleceu sem saber que um dia eu ia ser artista como ele.

A Copa do Mundo não foi esquecida

A Copa do Mundo não foi esquecida

SN: Quanto tempo demora para fazer um mosaico e um painel?

AS: Aí já tem um problema. Eu não faço meu trabalho direto. Preciso de inspiração. Se eu pintar um quadro direto, termino em dois ou três dias. Mas o mosaico é mais demorado, depende do desenho. Quanto menor o desenho, mais detalhes e tempo eu gasto. Dependendo do tamanho da arte pode demorar dias e até semanas. Fiz outro dia um trabalho próximo a uma piscina, com golfinho e água. Demorei 23 dias.

SN: Porque você não assina suas obras?

AS: Quando um artista expõe seu trabalho aquilo passa a compor o mundo. Além da dificuldade em assinar, acho desnecessário. Só assino meu nome em trabalhos grandes.

SN: E agora, quais os planos para seu futuro artístico?

AS: Sempre buscar aperfeiçoamento. Aprender e conhecer mais. Tem coisas que são inspirações, como o terço e a obra de São Jorge. Cada ano tenho ideias diferentes. Só Deus sabe meu próximo passo. Quem sabe não inspira algo totalmente diferente. Só o tempo dirá.

SN: Você sabe que depois dessa entrevista o seu trabalho vai ficar mais conhecido. O que o senhor acha disso?

AS: Conhecido eu? Não, não. Acho legal gostarem do meu trabalho, mas não gosto desse assédio que já vi outras pessoas sofrerem. Basta comprarem minhas obras que já está de bom tamanho.

 

Seles Nafes
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