A verdadeira história de Cristiane

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O que aconteceu com Cristiane Rosa da Silva, assassinada aos 24 anos pelo então marido, no município de Pedra Branca do Amapari, ilustra muito bem a situação de outras mulheres torturadas e mortas pelos companheiros. O drama das Cristianes é revivido todos os anos por moradores do município na “Marcha das Cristianes”, evento organizado pela Secretaria Municipal dos Direitos da Mulher. Este ano o evento ocorreu na última quarta-feira, 19. Abaixo, você vai acompanhar a triste história da verdadeira Cristiane, num relato emocionante da irmã Idélia. 

A História de Cristiane

“Cristiane chegou em nossa família no dia 01 de março de 1990. Sua mãe a deixou na casa da minha avó materna com a desculpa que precisava ser desmamada. Mesmo doente, com malária e outras infecções, a mãe não retornou para buscá-la. Minha irmã se encantou por Cristiane e, no início, muito debilitada, após meses de cuidados, dedicação e amor, ela se tornou uma criança saudável e feliz. Cristiane cresceu sendo boa filha, boa irmã, sempre sorridente, calma, alegre e inteligente.

Cristiane começou a estudar com seis anos. Foi logo fazendo o primário, pois já sabia ler e escrever. Era uma menina muito inteligente, nunca repetiu sequer um ano letivo. Sempre estudiosa, era uma filha responsável, carinhosa demais com seus pais, e nunca reclamou de nada.

Na verdade, meus pais, nós irmãos, nunca escondemos da Cristiane como ela chegou a nós. Mesmo assim, ele nunca procurou dos pais e irmãos biológicos. Dizia que os pais e irmãos que ela considerava éramos nós.

Não era menina de viver em festas, em praças, pois só saia se fosse com seus irmãos, Evanilson e Evanlino, aos quais era muito apegada. Ela era muito focada nos estudos e já tinha pretensão de começar a trabalhar quando completasse 18 anos, época que terminaria seus estudos. Sempre demos forças à ela, desde que não abandonasse seus estudos, já que todos os seus irmãos tinham terminado.

Marcha pede  o fim da violência doméstica e o sofrimento de tantas Cristianes

Marcha pede o fim da violência doméstica e o sofrimento de tantas Cristianes

No ano de 2005, Cristiane foi passar as férias de dezembro em Pedra Branca, já que nunca havia viajado de trem. Passaram alguns dias, quase na véspera de Natal, Cristiane voltou, depois ficamos sabendo que veio com um namorado.

Ela chegou diferente, triste, só falava em voltar a Pedra Branca depois do ano novo.

Já em janeiro, nessa época minha irmã descobriu que Tina (Cristiane) não estava indo para a escola, justamente no último ano. Ela abriu o jogo e disse que estava namorando e que ia embora para Pedra Branca. Minha irmã (Ivaneide) chegou até ir em Pedra Branca para buscá-la, mas ela estava decidida a ficar com ele. Foram dias de sofrimento, Cristiane já havia completado 18 anos, já era maior de idade.

Meus pais sofreram muito, meu pai chorava demais, ele era muito apegado a ela. Depois de uns três meses ela veio em casa com o namorado, pediu perdão aos meu pais. Ele prometeu para o meu pai e minha mãe que ia tratar muito bem dela, e que ela não iria trabalhar enquanto não terminasse os estudos.

Marcha pelas ruas de Pedra Branca do Amapari. Cristiane foi a primeira mulher assassinado pelo marido no município

Marcha pelas ruas de Pedra Branca do Amapari. Cristiane foi a primeira mulher assassinado pelo marido no município

Cristiane não veio mais na casa dos meus pais, só ligava quando estava com muitas saudades, duas ou três vezes, ao ano. Perdeu o contato com os meus irmãos, não mandava notícias, não falava nada. Em abril de 2009, Cristiane me ligou pedindo ajuda. Estava em Santana e disse que o esposo era muito ciumento, que tinha ciúme até da sombra dela. Foi quando ela descobriu que estava grávida, a menstruação dela estava atrasada. Comprei teste de farmácia com ela e deu positivo.

Cristiane dormiu pouco a noite toda. Quando acordamos, umas sete e meia, tomamos café e ela voltou escondida para Pedra Branca. Não levou nada, só a roupa do corpo. Em janeiro de 2010, ela veio para ganhar o bebê na Maternidade Mãe Luzia. No dia 21 de janeiro, ela teve a bebê. Tínhamos esperança que ela ficasse, mas dia 31 de janeiro ela preferiu voltar para Pedra Branca.

Em maio de 2011, mais uma vez a Cristiane pediu para irmão pegá-la no terminal de Macapá. Estava decidida a ficar de vez. Demos todo apoio, compramos roupas pra ela e pra bebê. Pedimos pra ela voltar a estudar, que nós ajudaríamos ela e a bebê. Mas o esposo ligou de Pedra Branca e disse que tinha comprado uma geladeira e matriculado ela num curso de informática, afirmando as aulas já iriam começar.

Outra decepção para nós: ela voltou, mas dizendo que retornaria para passar o Dia dos Pais com o papai que estava muito doente e já era cadeirante. Não veio. No dia 11 de dezembro de 2011, dia do meu aniversário, ele tirou a vida da Cristiane. Ela voltou a nós para sempre. Deixou de presente a filha, o seu maior tesouro e que presenciou toda a tragédia. Thielly, hoje é minha filha de coração.

O restou de Cristiane foi uma história de maldade, muita dor, mas também a Cristielly. É o que nos consola a cada dia”.

História narrada por Idélia Silva, irmã de Cristiane

Seles Nafes
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