Os tempos da Zagury, bandas de garagem, punk rock

Macapá foi um celeiro de bandas de garagem, cada um a seu estilo. Mas na crônica de hoje vamos relembrar os grupos de punk rock
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JOSÉ MARQUES JARDIM

Em 1989, o “movimento de garagem” efervescia. Em cada bairro da cidade, que naquela época não eram tantos assim, havia pelo menos cinco bandas ensaiando pesado. Os estilos eram variados. Enquanto algumas preferiam reproduzir o que rolava no cenário nacional, tipo Legião, Capital, Engenheiros, Titãs, etc. outros executavam o autoral.

O punk tomava espaço e aqueles três acordes com uma pegada hardcore de batera tinha em uma banda de São Paulo, a “Cólera”, sua maior referência. Os caras responsáveis por isso, aqui na terra dos Tucuju formavam a “Misantropia”, que acompanhei bem de perto.

A formação era: Helder Melo (baixo), Emerson Melo (in memorian, bateria) Helder do Espírito Santo (guitarra e vocais) Naldo Maranhão; que ainda não tinha esse nome (guitarra base e vocais).

O som era visceral. Eles mandavam muito bem as próprias músicas como também o que rolava no underground, que por aqui ainda não era nem a ideia de embrião. Foi aí que tive contato com Replicantes, Detrito Federal, Olho Seco e uma enxurrada da sonzeira punk.

Nos enlatados estavam os Sex Pistols, Toy Dolls e Ramones. Foi um tapa na cara para um garoto de 17 anos que não tinha como não ficar encantado. Esses discos, em vinil, claro, ainda não chegavam por aqui. O lance era ir até quem tinha ou fazer amizade com quem podia mandar. Logo montamos algo barulhento, o URA, punk, para variar.

Mas naquele “caldeirão de bruxa” do rock oitentão havia muitos feitiços e enquanto nós nos focávamos no punk, outras bandas preferiam o som comercial, mas não importava, tudo era rock e a coisa influenciava mesmo, cara.

Pense em uma galera esquisita: cabelos jogados nos olhos, calças jeans rasgadas, camisetas brancas ou camisas camufladas com mangas longas ou curtas e o bom e velho coturno. Coisa do tipo “Somos tão jovens” e nem preciso dizer que nem se cogitava a possibilidade do filme.

A coisa funcionava com uma guitarra ou contra baixo nas costas, baquetas no bolso de trás ou na mão mesmo, e íamos nós. Dava para perceber o olhar de reprovação no “busão”, mas alguns gostavam, talvez pela curiosidade, e assim nos equilibrávamos entre os rótulos de jovens músicos ou simples vagabundos, mas não importava.

O que valia eram os encontros nos ensaios onde encharcávamos as camisas tocando. Dando a alma em cada acorde ou groove. Grana não rolava, e por falar nisso, naquela época a coisa era muito diferente de hoje. Quem curtia rock era “proleta” mesmo, gente sem grana que guardava trocados entre um servicinho mequetrefe e outro para comprar uma guitarra de quinta categoria super usada.

Nem precisa falar que para os “bateras” a coisa era mais difícil ainda. Imagina quanto servicinho mequetrefe tinha que rolar para comprar uma bateria. Simplesmente não rolava.

O que fazer? Simples, amizade com playboyzinho que curtia rock e ficava afim de montar banda. Tinha que alugar o cara para ele tocar bateria. Mas nem sempre funcionava e aí era um lance de empresta, empresta que doía. Uma caixa daqui, um bumbo dali… e os pratos? Putz como era difícil descolar pratos.

O que pintava a gente aceitava e maioria tinha som de panela de zinco. Furávamos a borda inteira com prego e entortávamos rebites para soar mais ou menos legal, geralmente bem para menos.

As estantes eram vergalhões presos em alguma coisa. Guitarra era cheia de “rame”, nome técnico para chiado ou zumbido. Microfone com pedestal de cabo de vassoura. Cara, o ápice do improviso.

Hoje a molecada tem guitarra de primeira, batera à escolha, estúdio montado, afinador de última geração. Nós tínhamos o ouvido e uma sede absurda de aprender sempre mais.

Quando se colocava aquela folha de papel com o repertório no chão e conferia um, dois, três, quatro!!! Puta que o pariu… era mágico, energia pura, sinceridade, dedicação, alma… de arrepiar até hoje, quase 30 anos depois.

Éramos todos amigos, apesar de uma ou outra inimizade ideológicopunkcomercialpolíticomusical. (ficou legal a palavra “né”), mas era isso mesmo.

O que não engolíamos era o tal dos “poperôs”. Putz, aquilo era o fim da picada. Era o pessoalzinho da música eletrônica. Playboys e “patriçolas”. Eles com os “carros do papai” que passavam o dia inteiro lavando para sair à noite com aquele som alto que vibrava o grave nas caixas e elas para posar de “a mina do cara do carrão”.

Tipo aquela coisa no dia seguinte na escola: -Você viu a fulana ontem naquele carrão?”. Essa era a época da Praça Zagury, o point da cidade, principalmente aos domingos. Nós ficávamos lá, com as calças rasgadas, camisetas, cabelos esquisitos, coturnos e, claro, um violão… mas isso fica para a próxima semana.

E já que o papo de hoje pesou para o lado do punk rock, nada melhor que mergulhar um pouco em uma das maiores referências desse estilo no Brasil: Cólera…

Seles Nafes
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