Crônica: A violência fascinante

Em tempos de redes sociais, a apologia à agressividade extrema ficou mais evidente
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JÚLIO MIRAGAIA

Quero pedir licença para interpretar livremente o primeiro verso de Baader-Meinhof Blues, da Legião Urbana: a violência é tão fascinante.

Os últimos dias de 2016 e os primeiros de 2017 são uma prova cabal dessa afirmação.

Na noite de Natal, dois homens perseguiram um travesti no metrô de São Paulo. Como não conseguiram alcançar a vítima, espancaram até a morte um senhor de 54 anos que impedia a agressão. Houve quem defendesse os agressores (uma minoria, ufa!) por variados e inúmeros motivos nas redes sociais.

Na noite de réveillon, um homem matou a ex-mulher, o próprio filho e dez pessoas da mesma família em Campinas (SP), deixando uma carta que tentava justificar o ato bárbaro que cometeu. Houve quem o defendesse na internet.

Iniciamos a primeira semana do ano com a violência extrema bem mais perto do Amapá, com um massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Dezenas de mortos, entre detentos e agentes penitenciários.

18 de dezembro: rapaz é morto em confusão após esbarrar em retrovisor de táxi. Foto: Olho de Boto

18 de dezembro: rapaz é morto em confusão após esbarrar em retrovisor de táxi. Foto: Olho de Boto

Nesse caso, foram muitos os que celebraram as cenas de selvageria e que, provavelmente, tenham condenado a fala do âncora do Bom Dia Brasil, Chico Pinheiro, na manhã desta terça-feira, 03, em que analisava a tragédia posta na sala de estar dos noticiários.

Esses últimos acontecimentos de grande repercussão e a banalização da violência, entretanto, são apenas um iceberg na ponta de uma era glacial.

Não percebemos, do alto de nossa indignação com a violência, que os atos de selvageria dentro de um presídio tendem a transbordar para fora dos muros, caso não haja controle sobre esse tipo de situação. Celebramos hoje, a tragédia de amanhã.

Música da Legião analisava o fenômeno 30 anos atrás. Foto: Legião Urbana

Música da Legião analisava o fenômeno 30 anos atrás. Foto: Legião Urbana

Não nos damos conta, ou talvez ignoremos, que as mortes por motivo banal tem sido cada vez mais comuns. Pessoas que se desentendem por um esbarrar no espelho do carro do outro, como ocorrido no Jardim Felicidade 1, Zona Norte de Macapá, no dia 18 de dezembro. Nesse caso, um jovem voltava de uma festa com o primo quando encostou no veículo de um taxista, que não gostou e foi tomar satisfação. A contenda terminou no assassinato do rapaz.

A vida, como a maioria das religiões prega, como um bem precioso, nesse nosso apocalipse de todos os dias, é cada vez mais banalizada.

O ano de 2016 foi palco de cenas de violência tão marcantes, quanto estarrecedoras, no Amapá e no Brasil. 2017 começou mostrando que quanto mais violenta a sociedade que vivemos, mais tornamos o segundo verso de Baader-Meinhof Blues uma perfeita complementação do trecho inicial da canção escrita por Renato Russo, há 30 anos.

Enquanto a barbárie se alastra, estamos aceitando a tragédia humana. Aceitando o pior: que nós, nossos filhos e as gerações futuras, provavelmente, sejamos as próximas vítimas da selvageria. Nossas vidas seguem normais, enquanto seguimos a achar a violência, em todas as suas formas, das coisas mais fascinantes e justas.

Ouça a canção Baader-Meinhof Blues

Seles Nafes
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