Crônica: Futebol ao sol do Equador

Esporte é pouco reconhecido ainda no Amapá, apesar da tradição e dos times estarem mais competitivos
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JÚLIO MIRAGAIA

Quando passo do portão de entrada do estádio Zerão, noto que a partida já começou. O trajeto até a arquibancada é interrompido por uma parada obrigatória na baiuca improvisada, que vende comidas e bebidas. Subo a rampa com um copo de cerveja. É tempo mais que suficiente para ter perdido o primeiro gol do Tocantins.

O Santos-AP reage, vira. Até o fim do primeiro tempo já vence por três a dois. O segundo tempo leva o Peixe da Amazônia a marcar mais dois, com o veterano Jean Marabaixo. A primeira vitória este ano do time amapaense no Brasileirão da Série D chega na tarde de domingo (28), sob a Linha do Equador, diante de um público pequeno e não divulgado pela organização.

É possível ver várias pessoas com a camisa do clube, que fez boa campanha na Copa Verde, despachando o Remo nas quartas de final e saindo de cabeça erguida depois de equilibradas apresentações contra o Paysandu.

Virada veio ainda no primeiro tempo. Foto: Santos-AP/divulgação

Um quase silêncio marca o jogo na tarde de sol morno em Macapá pela ausência de torcida organizada. O que permite que o apito do juiz e os gritos das arquibancadas sejam a trilha sonora da partida. Perto de mim, um senhor com a camisa do Ypiranga escuta o jogo num rádio.

Horas depois, o Trem Desportivo Clube também vence sua primeira partida, diante do Real Desportivo, de Rondônia, jogando na casa do adversário.

Independente do saldo final da atuação dos clubes amapaenses na competição, é possível perceber que o futebol no meio do mundo vai tomando, gradativamente, novos ares. A quarta divisão do futebol brasileiro está longe do glamour ou dos elementos básicos do esporte citados por Eduardo Galeano em sua obra “Futebol ao Sol e à Sombra”. Em um dos trechos do livro, na crônica chamada “O torcedor”, o escritor uruguaio traça muito do que não há no futebol do Amapá.

Eduardo Galeano escreveu obra sobre o futebol. Imagem: reprodução

Aqui, em dia de jogo, a cidade não desaparece. Os jogos não são transmitidos pela TV. O estádio, o rádio e a internet são as vias possíveis para os entusiastas do futebol local. O que não impede a ação de assistir um jogo de se tornar um ato religioso, pelo contrário. Por todas as dificuldades impostas é que o espetáculo de chuteiras e bola se torna um ato de fé e de algum tipo de amor.

Por esses e por tantos outros motivos é que depois de uma virada espetacular como a do Santos-AP no domingo é que percebemos quão grande e inexplicável é o futebol. Mesmo na Amazônia brasileira, onde as torcidas são pequenas e os clubes não têm grandes conquistas e visibilidade, tampouco apoio, aqui mesmo é que é possível notar que não é apenas um jogo. Que os deuses do futebol sopram seus ventos de felicidade infinita a cada gol numa intensidade tão grande quanto em qualquer outro lugar do mundo.

Antes de descer a arquibancada, junto forças com os torcedores e aplaudo os jogadores que agradecem acenando, enquanto o sol se põe no horizonte do meio do mundo.

 

Foto de capa: Júlio Miragaia

*Júlio Miragaia (Júlio Ricardo Silva de Araújo) é jornalista.

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