A transferência de presos de alta periculosidade para presídios federais é uma questão de segurança pública para o Amapá e uma prioridade no sistema penitenciário do Estado. Só que a Justiça não vê assim. O Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) tem dificuldades para conseguir autorização judicial para transferências, e quando finalmente a Vara de Execuções Penais dá permissão, os advogados conseguem provocar o cancelamento com pedidos de habeas corpus julgados no Tribunal de Justiça.
O que aconteceu no dia 31 de dezembro no Centro Custódia do Novo Horizonte, zona norte de Macapá, ilustra bem a necessidade de transferência. Os quatro que fugiram numa ação violenta são alguns dos mais perigosos bandidos do Estado. Todos foram recapturados e um acabou morto numa troca de tiros com o Bope.
O Centro de Custódia foi construído originalmente para abrigar pessoas que cometeram crimes civis, como atraso no pagamento da pensão alimentícia, mas na prática hospeda alguns graduados no crime. Na penitenciária, eles geravam tumultos e se envolveram em outros crimes, incluindo tráfico, agressão e homicídio. Pelo menos um deles comandava assaltos de dentro da cadeia por telefone.
Um exemplo perfeito que ilustra essa necessidade de transferência é o histórico de Declei Damasceno dos Santos, de 32 anos. Quando foi preso e levado para a penitenciária pela primeira vez ele tinha apenas 18 anos. Na ficha prisional a profissão dele era a de borracheiro, mas ao longo dos anos e depois de seis fugas, Declei se tornou um dos bandidos mais perigosos do Estado. Só num processo por homicídio ele tem pena de 26 anos para cumprir.
A primeira fuga de Declei foi um ano depois da primeira chegada ao Iapen. Ele capinava na área externa da penitenciária de segurança mínima quando aproveitou um descuido da vigilância. Depois de ser recapturado fugiu outras cinco vezes, agrediu um agente penitenciário e é acusado de ter assassinado um preso. No dia da fuga, 31 de dezembro, até a esposa dele ajudou. “Ela se fez passar por refém, roubou celulares e outros pertences que estavam em cima da mesa dos agentes”, revelou o presidente do Iapen, Nixon Kennedy.
O caso do foragido morto na troca de tiros com o Bope é outro que ilustra o nível dos ocupantes do Centro de Custódia. Cledson Fortunato Leite, também de 32 anos, tinha penas para cumprir até 2041. E só poderia progredir para o regime semi-aberto (se tivesse bom comportamento) a partir de 2038. Ele já tinha condenação por homicídio e dentro do Iapen foi acusado de assassinar outro detento com mais de 20 estocadas. Um outro hóspede famoso do Novo Horizonte é o bandido conhecido como “Tourão”, apontado como homicida e assaltante.
Em um dos casos, ele teria comandado, de dentro da penitenciária, um assalto que terminou com reféns no bairro Jardim Felicidade II, no início do ano passado. Tourão chegou a ligar para os banidos que estavam com os reféns no momento da negociação com a Polícia Militar. O bandido teve o pedido de transferência feito pela direção do Iapen infederido pela Vara de Execuções Criminais (VEP).
Há vagas
Desde 2008, o Amapá tem direito a 20 vagas em penitenciárias federais de vários estados, mas não consegue ocupá-las. Só em 2011, quando uma onda de assaltos culminou com o roubo à agência bancária do quartel geral da PM, é que seis pedidos foram autorizados pela Justiça. E foi só. De lá para cá não houve mais nenhuma transferência.
Além disso os julgamentos das solicitações são lentos. Uma das delas demorou mais de um ano para ser analisada por um dos juízes da VEP, que no final ainda negou o pedido alegando que não havia motivos para a transferência. “Nós temos outros cinco pedidos que aguardam análise da VEP há seis meses”, revelou Kennedy.
O presidente do Tribunal de Justiça do Amapá, desembargador Luis Carlos Gomes dos Santos, disse que vai interferir no caso. “Se há vagas e o Iapen afirma que as transferências são necessárias não há porque indeferir esses pedidos”, avaliou ele. O desembargador disse que vai ouvir os juízes da Vara de Execuções Penais para avaliar o que está ocorrendo.