Primeiro certifique-se de que a porta da casa está trancada e de que você tem a chave para abri-la. Outra coisa importante: você tem que estar do lado de dentro da casa, se não vai ter que esperar até a publicação do “pequeno manual de como entrar em casa depois de ter saído para dar uma volta”.
O passo seguinte (se você estiver realmente dentro de casa): coloque-se a meio metro de distância da porta e estique o braço (direito, se você for destro; esquerdo, se você for canhoto) até a maçaneta.Com a mão que ficou livre introduza a chave na fechadura e gire-a no sentido anti-horário (algumas chaves abrem girando-se a chave no sentido contrário).
Aberta a fechadura, gire a maçaneta e puxe-a enquanto dá dois passos para trás. Você irá sentir o ar se deslocando dentro da sala assim que a porta se abrir. Isso é totalmente normal.
Segundo passo. Como sair de casa.
Ainda com a porta entreaberta veja se não há nenhum movimento estranho na rua, tipo incêndio, maremoto, uma guerra civil, ou uma fuga de animais selvagens. Tudo limpo é hora de botar a cabeça para fora de casa e olhar os dois lados da rua, o céu e seu capacho de porta. Se for um dia de sol, estufe o peito e sorria como se fosse um personagem de algum poema de Drummond.
Mas se o clima é de chuva, puxe a gola da camisa um pouco mais para cima e imagine-se um haikai de Paulo Leminski. Se você não tiver imaginação, a coisa dificulta um pouco, mas nada que atrapalhe seu passeio. Retire a chave da fechadura e segure-a com você.
Feito isso é hora de dar o primeiro passo com o pé direito. Saia de espinha ereta, a mente quieta e o coração tranquilo.Ande dois passos e volte-se para a porta. Feche-a e tranque-a volteando a chave na fechadura.
Escolha uma direção e siga em frente.
Andando na rua
A rua é a melhor coisa que a civilização criou. Ela não apenas liga um ponto a outro da geografia urbana, mas ainda abre para você a oportunidade de cruzar com os mais diferentes tipos de pessoas, climas, sensações, cheiros, cores e sons. Ande nas ruas de olhos atentos, ouvidos ligados, narinas abertas e mente completamente vazia.
Deixe que a rua lhe preencha. Olhe para as pessoas, perceba-as em suas diferenças, assemelhe-se a elas. Pessoas são como janelas, há a que são coloridas, cheias de vasos com flores. Outras são mais cinzas, protegem-se atrás de grades e quase nunca se abrem ao sol. Só encare uma janela assim se você for do tipo que gosta de fazer faxina, clarear o que é escuro, arejar o que está trancado.
Cuidado com os bichos
Os bichos que andam soltos pelas ruas são em geral curiosos e gentis, e também muito interesseiros. Trate-os com distância e respeito.
O que tem de mais instigante para quem passeia pelas ruas é a possibilidade de você encontrar o que Jorge Luís Borges chamou de Aleph, um ponto de onde é possível ver diversos lugares do mundo ao mesmo tempo. Os Alephs geralmente ficam nas esquinas ou debaixo de escadas, conforme descreveu o mestre argentino.
Se você não encontrar o Aleph, não tem problema. As ruas ainda têm paisagens que inspiram viagens ou nos leva de pronto a outros lugares. Faça este teste: caminhe por sua cidade procurando pontos que parecem não serem dela, mas de outra cidade. Aqui em Macapá estou mapeando alguns e fotografando-os. Depois vou imprimi-las e pendura-las num quadro de cortiça. Pronto eis o meu Aleph.
Nota de advertência: As convenções sociais dizem que é preciso sair de casa com o mínimo de decoro, ou seja, com alguma roupa, caso contrário você pode ser preso por desacato ao pudor.Outra coisa: cuidado com os amores de rua. Eles costumam ser duradouros, mas só até a página três.
Manoel do Vale
Inspirado em conto de Ignácio de Loyola Brandão