Muita gente o conhece como Jesus. Tem entrada livre em bancos, supermercados, lojas do comércio e órgãos públicos, sempre com permissão para oferecer bilhetes da Loteria Federal. O andar e o corpo curvado revelam o cansaço e o estado de saúde. Quem não conhece seu passado, não diz que ali está um ganhador da Loteria.
Em 13 de fevereiro de 1983, ele teve a oportunidade de garantir uma vida tranquila ao ganhar um dos prêmios da Loteria Federal. Recebeu o equivalente a R$ 2 milhões, segundo cálculos dele próprio. Poderia ter aplicado tudo em imóveis ou se transformado num grande comércio. Mas preferiu fretar aviões, promover festas e gastar com mulheres. O dinheiro foi embora em menos de um ano. A história e a lição que ela ensina até viraram um livro escrito por um jornalista mineiro que veio ao Amapá na década de 1990 apenas para fazer a pesquisa.
Jesus Silva Fonseca tem 67 anos e pouca perspectiva na vida. Desempregado e com problemas cardíacos, ele se culpa por não ter dado uma vida melhor ao filho, Jean Cardoso, que morreu em 2011 aos 18 anos de pancreatite. Assim como o pai, o rapaz também fazia comércio nas ruas de Macapá. Passava o dia inteiro como ambulante vendendo acessórios para veículos como limpadores de para-brisas e capas para bancos.
A falta de uma vida melhor para o filho é apenas um dos muitos arrependimentos de uma vida que parou de ter esperança. Abaixo alguns trechos do desabafo do ganhador da Loteria.
SelesNafes.Com: O senhor trabalhava em que quando ganhou na Loteria?
Jesus: Eu vendia bilhete de loteria.
SN: O senhor já era casado?
Jesus: Eu estava separado da mulher.
SN: O que senhor fez de imediato quando soube que era ganhador?
Jesus: Fui ao banco e o gerente disse que ia me dar 100 mil para passar o mês. E me aconselhou a não mexer mais no dinheiro. Ele me garantiu que se eu fosse um bom gastador não daria conta de gastar todos os 100 mil e que o meu dinheiro ia crescer aplicado. Nunca ia acabar.
SN: Porque o senhor não seguiu esse conselho?
Jesus: Fui muito besta. Eu tava com raiva da mulher, por isso decidi sair gastando
SN: O senhor sacou todo o dinheiro?
Jesus: Sim. Eu disse pro gerente que eu tinha 3 fazendas para comprar . Só assim ele concordou em liberar todo o dinheiro.
SN: Como senhor levou tanto dinheiro para casa?
Jesus: Coloquei tudo em três caixas de papelão. Passei um mês inteiro aqui em Macapá gastando com mulher. Quando eu chegava na Suerda (famoso cabaré de prostituição que fechou ainda nos anos de 1980), ela anunciava: “chegou o milionário”. Aí era muita mulher em cima de mim só tomando “chá mate” (uísque).
SN: O senhor viajou?
Jesus: Fretei um avião aqui em Macapá e fui pra Belém com 6 meninas. Passei um tempo lá, mas elas não quiseram ficar mais tempo comigo. Mandei todas de volta pra Macapá. De lá fretei outro avião fui pra Fortaleza, depois pro Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis….
SN: Quando o senhor descobriu que não tinha mais dinheiro?
Jesus: Quando o dinheiro que eu carregava acabou. Fui ao banco e só tinha um pouquinho.
SN: O senhor se arrepende de que?
Jesus: De tudo. Hoje eu olho essas lojas do comércio e sei que poderia ser dono de várias delas. Um amigo meu ganhou bem menos e comprou várias padarias. Está bem hoje. Na época me aconselharam, mas eu não quis ouvir.
SN: Quantas pessoas o senhor tem na família hoje?
Jesus: 9, são 2 filhos e o resto é neto. Os 2 filhos trabalham, mas ganham muito pouco.
SN: O que senhor espera da vida agora?
Jesus: Não sei. Eu preciso de saúde. Tenho arritmia. Mesmo assim trabalho todos os dias, até em feriado. Não posso parar.