CÁSSIA LIMA
“O perigo está ao lado!”. A afirmativa direta é aterrorizante, mas ao mesmo tempo uma convicção científica defendida pela escritora e médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, de 47 anos. É assim que ele define a distância entre nós e o psicopata no livro “Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado”, lançado em 2008. Na sexta-feira, 14, a escritora esteve em Macapá para palestrar num encontro promovido pelo Ministério Público do Estado.
Seu livro, com 210 páginas, é dividido em 13 capítulos, e é considerado um manual de sobrevivência contra os “predadores sociais”. Durante o congresso do MP, a psiquiatra falou dos casos que chocaram o país, como o caso de Suzane Von Richthofen, e a morte da atriz Daniella Perez (filha da autora de novelas Glória Perez).
A escritora falou sobre punição para menores infratores, idade penal e a cultura que contribui com a formação do psicopata. Pós-graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em psiquiatria, ela também escreveu “Mentes Inquietas” (2003), “Sorria, Você Está Sendo Filmado” (2004), “Mentes & Manias” (2004), e outros. Mas alcançou sucesso internacional com o
livro Mentes Perigosas, obra que vendeu mais de 800 mil exemplares.
A repórter Cássia Lima teve uma conversa descontraída sobre como identificar
e se defender de psicopatas. Veja alguns trechos.
Como foi escolher ser médica psiquiátrica?
Ana Beatriz – Eu sempre quis entender o comportamento das pessoas, porque eu sinto isso? Como eu sinto? Como reprimo os sentimentos? Os impulsos, enfim. Mas o que me fascina é o funcionamento do cérebro. Eu fiz psiquiatria, mas queria estudar o comportamento. Cheguei até aqui e o trabalho virou vício.
Quais as diferenças entre o psicopata, maníaco, sociopata e do antissocial?
Ana Beatriz – Na realidade, a característica principal do psicopata é não ter a capacidade de amar ou se pôr no lugar do outro. É ausência de empatia. Ele é um cara frio, calculista, manipulador e que não tem remorso. Ele faz qualquer coisa em busca de poder, diversão e status. Sociopatia era um termo usado para definir pessoas que nasciam boas, mas eram corrompidas pelo meio social. Isso não existe mais hoje. E antissocial é quando uma pessoa é caracterizada pelo cid 10 – uma classificação internacional que define a indiferença do psicopata.
Qual a personalidade de um psicopata?
Ana Beatriz – Eles são charmosos, eloquentes, inteligentes, sedutores, muitíssimos educados. São ótimos amigos, bons amantes. São pessoas perfeitas e íntegras, solícitas e sempre dispostas a ajudar e “querer seu bem”. Gostam de se relacionar com pessoas sinceras, sensíveis e puras de alma e coração que são enganadas facilmente por seu discurso.
É fácil eu reconhecer um psicopata?
Ana Beatriz – Muito. Mais simples do que você imagina. Existem casos que são de tamanha crueldade que só um psicopata pode fazer. Por exemplo: na semana que eu lancei meu livro ocorreu o caso Lindemberg (homem que matou a estudante Eloá, no Rio de Janeiro em 2008).
No momento que eu o vi soube que ele era psicopata. Ele conseguiu a atenção da polícia, mídia e de toda sociedade ele estava alimentando o ego dele com fama. Desde o inicio ele se divertiu com a situação de desespero da Eloá e da amiga. Ele mataria as duas por prazer, só não conseguiu por perspicácia da polícia.
Existe quantos tipos de psicopatas?
Ana Beatriz – Existem níveis variados: leve, moderado e grave. O primeiro trapaceia e rouba. O segundo aplica golpes e já manda em outras pessoas. Já o último “põe a mão na massa”, mata, estupra e são brutalmente cruéis, mas não se iluda: todos causam estragos na vida das
pessoas.
Os psicopatas são previsíveis?
Ana Beatriz – Sim, muito até. Como a psicopatia é quase totalmente desligada de sentimentos, os psicopatas não tem um componente emocional da memória, ou seja, as pessoas normais marcam as experiências boas e ruins da vida, tendendo não repetir os erros. Os psicopatas não tem isso, então, toda perversidade pra eles não é ruim, tendem sempre a agir da mesma forma.
Quais os cargos que os psicopatas mais ocupam na sociedade?
Ana Beatriz – Não existe uma profissão especifica, mas pelos casos conhecidos os psicopatas procuram cargos de poder como pastor, médicos, diretor, políticos, padres, presidentes de empresas, enfim, qualquer profissão de status, por menor que seja. Temos que ficar atentos porque onde têm poder eles podem estar próximos. A própria medicina é um poder. Um cara de jaleco branco é considerado um o “bonzão”, e nos vimos médicos cometendo atrocidades que só um psicopata pode fazer.
Você diz que os valores dos psicopatas estão em alta. Como?
Ana Beatriz – Nós vivemos numa sociedade que o ter é muito mais importante que o ser. Quanto mais a gente alimenta esse valor material, mais a gente alimenta os valores da esperteza do psicopata. Quanto mais pensamos em estar com alguém só porque essa pessoa vai te abrir portas, garantir facilidades, aumentamos o poder de destruição dos psicopatas. E tão absurdo porque estamos alimentando a ideia de se dar bem a qualquer custo é “bom”.
O que caracteriza um psicopata biologicamente?
Ana Beatriz – A desconexão do sistema límbico, que é o sistema dos afetos e emoção. Ele não sente absolutamente nada por ninguém. Pra um psicopata as pessoas são objetos, é isso que o Edu da série (Dupla Identidade, TV Globo) mostra muito bem.
Como foi ser consultora da série Dupla Identidade?
Ana Beatriz – Quando me chamaram para ser consultora da série da Rede Globo eu sugeri o caso de Ted Bundy, que foi um psicopata americano do século XX, na verdade serial killer que matou 35 mulheres. O Bruno Galiasso interpreta com uma perfeição no olhar e na frieza, assim
como, a Debora Falabela faz incrivelmente o papel das mulheres cegamente apaixonas por psicopatas. Elas são enganadas pelo discurso persuasivo e fingido desses caras. Uma coisa que define um psicopata é a simplicidade e frieza. Quando o Ted Bundy foi perguntado porquê ele matava mulheres, ele respondeu: “Eu gosto de ver o momento exato em que a retina do olho suplica clemência. Naquele momento que eu decido a vida de alguém, eu me sinto Deus”.
Pra você ver como a pessoa é.
Você como médica já acompanhou um caso que lhe chamou atenção e causou medo?
Ana Beatriz – Sim, um garoto de 6 anos que era psicopata gravíssimo. Ele pegava os sapos, matava, colocava dentro de um balde de gasolina, incendiava e dizia que aquilo eram fogos de artificio. Matou o gato da avó, tentou matar a irmã de seis meses sufocada com talco. Isso é uma característica de indiferença total com a vida do ser vivo. Que mostra
a falta de sensibilidade em cuidar do outro. Essa morbidez e perversidade em humilhar e ver o sofrimento do outro.
Você já conversou com muitos psicopatas cara a cara. O que você sente nesses momentos?
Ana Beatriz – Eu sinto que a teoria cientifica é a pura verdade. Eles não têm sentimentos. Sempre tendem no primeiro contato a me contarem uma história triste para tentar justificar a barbaridade que eles fizeram. Discurso sem emoção e desprovido de coerência. Eu não caio
nesse papinho. Quando conversei com uns psicopatas eles perguntaram“Você tem medo de mim? Pode dispensar os policiais. Eu juro que não te farei mal”. Mas eu sei que eles nunca são sinceros.
Quais os caos graves mais recentes que ficaram famosos?
Ana Beatriz – Bom, vamos elencar, temos o caso Guilherme de Pádua, psicopata que matou a filha da Glória Perez em 1992. Suzane Richttofen, que matou brutalmente os pais em 2002; caso Alexandre Nardoni, que matou a menina Isabela em 2008. Lidemberg Alves que manteve em cárcere privado a jovem Eloá e a matou 2008. Além desses, tem o colega de profissão, Roger Abdelmassih descoberto recentemente, tem o maníaco do parque, assim como, o trio que matava e fazia coxinha com a carne das vítimas em Goiânia. Casos como esses podem aparecer cada vez mais na sociedade, infelizmente, essa é a realidade.
A sociedade está mais atenta aos psicopatas?
Ana Beatriz – Sim. Acredito que as pessoas estão mais atentas. Mas, infelizmente, ainda existem pessoas que confundem psicopatia com loucura. Mas a sociedade já deu um passo muito grande nos últimos cinco anos. Essa palestra e esse diálogo significa que esse quadro está mudando. Mas a sociedade precisa se organizar com a criação de leis populares para nos defender desses predadores sociais que são os psicopatas.
Cerca de 25% dos homens que agridem as mulheres são psicopatas. Explique esse dado.
Ana Beatriz – Isso já é um estudo que comprova que esses 25% dos homens, quando terminam um relacionamento com a mulher, provavelmente vão matá-la. O próprio caso da Eloá comprova isso.
Porque você defende a separação de psicopatas e presos comuns no
sistema prisional?
Ana Beatriz – Isso é fundamental! Você separar no sistema carcerário quem é psicopata dos que não são é você separar quem é recuperável e quem não é. Por incrível que pareça, a maioria das pessoas presas não é psicopata, somente 15 a 20%. Mas eles dominam a estrutura toda e acabam até vitimando presos recuperáveis em rebeliões para mostrar o poder deles, por exemplo.
Eu li o livro “Mentes Perigosas: O psicopata Mora ao Lado”, ao fim da leitura eu comecei a analisar todo mundo ao redor. Essa uma proposta do livro, provocar essa análise e reflexão?
Ana Beatriz – Era uma proposta de trazer o assunto da estante dos consultórios para a sociedade. O psicopata, mesmo não matando, sempre está prejudicando alguém. Ele sente prazer nisso. As pessoas são como carros e joias para o psicopata, meros objetos. Eles podem não matar, mas como predadores sociais, eles destroem sonhos, famílias….o que der.
Um assunto tanto delicado são as crianças psicopatas. Fale um pouco sobre isso.
Ana Beatriz – Os jovens precisam de um processo específico de aprendizagem, que estude o comportamento social. Precisamos construir de uma sociedade mais solidária, isso é um desafio dos tempos atuais. Menores “perigosos demais”, mexem com nossos mais delicados sentimentos humanos e é difícil conviver com a ideia de que existam crianças genuinamente más, frias e sem sentimento.
Você conta abertamente que seu primo era psicopata. Como foi crescer com ele por perto?
Ana Beatriz – Graças a Deus ele já não é mais vivo. É não estou sendo fria, mas ele poderia ter matado dezenas de mulheres, inclusive eu. Quando criança, eu achava ele lindo, destemido, inteligente, enfim, pra mim ele era O Cara. Características sempre dotadas pelos psicopatas, isso aprendi depois. Todo psicopata é vaidoso, egocêntrico e eloquente e meu primo era assim. Uma coisa triste, mas real. É que a própria família tenta esconder isso da sociedade, isso só alimenta ainda mais o instinto predador do psicopata. Na juventude, eu tive mais consciência disso, ai meu primo morreu. Mas não tenho vergonha nenhuma em dizer que ele mesmo, com 12 anos, planejou um assalto contra mim. Ele tinha doze anos. É ai nos entramos numa outra história, crianças psicopatas. O que é terrivelmente assustador.