CÁSSIA LIMA
Cearense da gema e amapaense de coração, o juiz Marconi Pimenta, de 49 anos, coleciona muitas histórias nesses 20 anos de magistratura. Há 8 anos no Juizado Especial Norte, ele concedeu entrevista ao SELESNAFES.COM sobre câncer, fé em Deus, o abandono do curso de veterinária, a vinda para o Amapá e os casos absurdos que entulham as prateleiras das varas do Juizado Especial e que poderiam ter sido resolvidos com conciliação. Um desses desse processos foi motivado por um abacate. Em outro caso, ele precisou julgar a reclamação de um vizinho incomodado com as folhas de caiam das árvores do terreno ao lado.
Formado em Direito nos anos 1980 pela Universidade Federal do Ceará, a magistratura era um sonho difícil de ser realizado. Apesar das curvas da vida, hoje ele é juiz de uma vara que julga mais de 1,2 mil processos por mês, apenas da Zona Norte de Macapá. Oito anos após vencer a luta contra um câncer de tireoide, ele é considerado um dos magistrados mais respeitados do Estado. Confira a entrevista concedida por ele.
SelesNafes.Com: O curso de Direito era um sonho?
Marconi Pimenta: Na verdade, eu queria trabalhar na área médica. Cursei veterinária e quase conclui. Mas vi que não era minha área e pulei para as Ciências Jurídicas. Nos anos 80 cursei Direito pela Universidade Federal do Ceará e logo em seguida comecei advogar.
SN: Quando o senhor decidiu seguir carreira na magistratura?
MP: Eu passei em concurso público aqui para o Amapá na década de 90. Sempre gostei muito da arte de julgar. É uma profissão sublime e difícil. O ato de julgar é um meio de interferir nas relações humanas, na vida das pessoas e na própria rotina do Estado. Claro, sempre para melhor. Isso me motiva e me mantém na carreira ate hoje.
SN: Por que o senhor escolheu o Amapá?
MP: Fui convidado pelo meu colega Marcelo Moreira, que é promotor. Nós nos formamos e advogamos juntos. Quando ele veio pra cá me prometeu que assim que tivesse oportunidade me chamaria. Assim foi. Eu vim e fiquei maravilhado com essa terra. É um dívida de gratidão que tenho com o Marcelo, que me trouxe para um lugar que tem um povo acolhedor e que muito se parece com o povo do Ceará.
SN: Como é ser titular do Juizado Especial Norte?
MP: É carregar nas costas grandes responsabilidades. Essa é uma das varas do Estado que tem mais processos. É uma sobrecarga muito grande, já que esse juizado abrange toda a área Norte da cidade e mais alguns distritos. Não são processos comuns e nem parecidos. Aqui tem processo de danos morais, bancários, trânsito, telefonia, enfim. Isso tudo dá para o juiz uma enorme demanda.
SN: Durante esses 8 anos como titular, qual o caso mais absurdo que o senhor julgou?
MP: São vários. O mais hilário foi um processo ocasionado por folhas de árvore. Uma das partes estava incomodada porque ela achou que sofria um dano ao demandar tempo para limpar seu quintal por causa das folhas da árvore do vizinho. Outro processo foi de um abacate que quebrou a telha do vizinho. Tem outro que processou um motorista porque ele buzinou na rua e essa pessoa se ofendeu. São coisas simples, mas para as partes isso foi constrangimento. Tudo isso poderia ser resolvido em uma conversa, mas vem parar aqui.
SN: Me conte um caso que lhe comoveu?
MP: Antes de você chegar eu atendia a viúva de um tenente da Polícia Militar. Essa mulher perdeu a filha, o pai e o esposo. Isso tudo no espaço de um mês. Além da dor, ela está com dificuldade para provar que viveu 20 anos em união estável com o tenente. Às vezes as pessoas desistem por muito pouco. Mas olha o exemplo dessa mulher. Sofrida e deprimida, mas lutando até as últimas consequências pelo seu direito. Isso tudo é o grande milagre da vida. Eu luto pra isso.
SN: Qual a maior demanda do Juizado Norte?
MP: Com certeza processos bancários. As pessoas acham que é brincadeira ficar em uma fila por três horas, mas não é. Nós temos uma lei municipal que preconiza um tempo máximo na fila de um banco. As pessoas passam por isso, comprovam o dano e ganham a causa. As pessoas perdem tempo, não produzem determinadas coisas e comprovam tudo isso. Mas muitos danos só existem na cabeça do consumidor. Alguns imaginam que o caso de um atendente tratar mal é danos morais. Não é. Vivemos em um mercado livre. Não gostou? Procura na próxima loja e pronto. Eu sei que isso aborrece. Mas não significa que seu aborrecimento é um dano.
SN: O senhor almeja outro cargo na magistratura?
MP: Quero continuar aqui no Juizado Norte. Esse é um fardo que alguém tem que carregar. Eu sei que muitos juízes não querem isso. São muitos processos, poucos servidores e as instalações não são das melhores. Mas eu quero.
SN: Na sua opinião qual é a maior dificuldade da Justiça?
MP: Talvez seja a pouca utilização de uma ferramenta básica: a conversa. A conciliação resolve isso. A gente tem muita demanda e por causa disso acabamos não achando tempo para dialogar e ouvir sem pressa as partes. Sabe, ninguém quer perder nada. Mas quando dialogamos fazemos ótimos acordos para as duas partes. A falta desse tempo é que faz o grande gargalo do Judiciário. Aqui eu converso.
SN: Falando da sua saúde. O problema com o câncer foi resolvido?
MP: Sim. Há 8 anos consegui me livrar do câncer de tireoide. Passei por tratamento e já estou curado. Mas se dependesse do sistema privado de saúde do Estado eu estava morto. Quando fiz o exame o resultado deu negativo. E não era. O tumor só crescia. Eu paguei muito caro por um diagnostico errado.
SN: Na sua sala tem algumas imagens de santos e até terços. Nesse contexto, qual é a importância de Deus na sua vida?
MP: Total. Deus antes do Direito, antes do câncer e depois também. Eu sempre fui muito religioso, respeito todas as religiões e vou a qualquer igreja se me convidarem. Mas tenho minha fé sendo católico apostólico romano. Tenho nossa senhora como minha protetora. Ter uma religião nos liga a Deus e isso é muito importante. A gente precisa ter uma conversa espiritual com Deus. Precisamos entender que vamos ter alegrias, mas vamos enfrentar tristezas também. Deus não nos prometeu rosas, mas garantiu que mesmo diante da morte estará conosco. Eu creio nisso.