Quando o crime separa mãe e filho

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CÁSSIA LIMA

Os muros da ala feminina do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen) escondem muitas histórias de mulheres que deixaram para trás famílias inteiras, mas a saudade que mais aperta o peito é dos filhos. Hoje, 117 mulheres dividem seis celas e também comungam do companheirismo, porque sem isso, muitas não sobreviveriam.

O Site SelesNafes.Com entrou no presídio feminino e encontrou muitas histórias, especialmente de mães que deram à luz cumprindo pena. O lugar tem um certo conforto, mas nada próximo da sonhada maternidade que muitas almejam.

Detenta aproveita o pouco tempo que tem para ficar com o filho. Fotos: Cássia Lima

Detenta aproveita o pouco tempo que tem para ficar com o filho. Fotos: Cássia Lima

A ala feminina do Iapen fica ao lado da masculina com entrada pelo Bairro Marabaixo. O espaço é pequeno, mas bem cuidado, com escola, enfermaria, igreja, atendimento jurídico, brinquedoteca e auditório.

Segundo a coordenadora do presídio feminino, Patrícia Batista, há um grande esforço para garantir o maior conforto possível a todas, mas a atenção especial é com o berçário, nome chamado para o local onde mulheres que acabaram de dar à luz ficam com os recém-nascidos por apenas seis meses.

Neste ano, ainda não há registro de nascimento de crianças com mães presas no Iapen, mas em 2015, seis detentas deram à luz. Todas foram presas grávidas, algumas nem sabiam. Hoje, cinco mulheres vivem no berçário, um grande quarto com ar condicionado, televisão, banheiro, bebedouro e camas. Cada mulher tem uma penteadeira e seus pertences pessoais.

Grávida, mulher de 22 anos, soube da gravidez depois que foi presa

Grávida, mulher de 22 anos, soube que esperava um bebê depois que foi presa

“O berçário não é para a mulher grávida, mas para as mães com bebês. Temos grávidas aqui por causa de risco na gravidez ou por rixas com outras detentas. Mas o espaço é especialmente para mães e crianças até seis meses”, afirma a coordenadora.

Tanto as mães quanto as outras presas têm apoio psicológico, médico ginecologista, dentista e capacitação em cursos. Muitas chegam carregadas de sonhos que estão distantes de serem concretizados.

Elas tem direito a ter uma penteadeira: relativo conforto

Elas tem direito a ter uma penteadeira: relativo conforto

Um exemplo é o de uma mulher de 26 anos que a chamaremos de Ana, para preservar sua identidade. Ela está há 10 meses no presídio cumprindo pena por tráfico de drogas, e todas às quintas-feiras assiste a missa pela manhã.

Enfermaria que funciona dentro da ala feminina do Iapen atende as internas

Enfermaria que funciona dentro da ala feminina do Iapen atende as internas

Ana teve uma infância parecida com a de muitos amapaenses. Natural de Santana, ela se lembra de andar na área portuária e sonhar com um diploma de professora. Mas tudo mudou dois anos atrás, quando a sua própria mãe lhe ofereceu drogas e a incentivou no vício. Ela nunca chegou a tirar carteira de identidade ou CPF, não teve cidadania reconhecida.

“Essa vida não é pra mim. Parece que vivo um pesadelo diário. Vim ser reconhecida como cidadã aqui, quando tirei identidade pra mim e meu filho. Vou terminar de cumprir minha pena e sair daqui com ele. Quero ser uma mãe carinhosa e dar pra ele a educação que eu não tive. Venho na missa para ter fé e força pra isso”, contou Ana.

A coordenadora disse que a situação de Ana é parecida com a de muitas internas que tiveram uma infância difícil. Isso não justifica os crimes, mas explica o caminho que muitas delas tiveram que seguir.

Detenta leva o filho para assistir a missa: quero mudar de vida

Detenta leva o filho para assistir a missa: quero mudar de vida

Existe outra mulher com bebê no berçário, que será chamada de Maria. Ela tem 30 anos e cumpre nove anos de pena por roubo. Tem quatro filhos que moram com irmãos dela em Macapá. Hoje, ela carrega no colo um menino de quatro meses. Apesar de brincar e sorrir com a criança, ela já teme pela separação.

“Eu tento não pensar o que vai acontecer com ele e comigo. Ainda tenho quatro anos para cumprir e não quero que ele venha me visitar presa. Tenho vergonha disso, e vou procurar mudar a minha vida quando sair daqui. Cometi muitos erros e minha família me desprezou”, revela Maria.

A brinquedoteca, onde Maria brinca com o filho, é uma espécie de sala de visitas onde as crianças veem suas mães. A diretora afirma que muitas mães têm vergonha de falar para os filhos que estão presas. A sala serve para visita sem constrangimento para ambos.

Na brinquedoteca as mães passam a maior parte do tempo com os filhos

Na brinquedoteca as mães passam a maior parte do tempo com os filhos

“Nós fazemos de tudo por elas. Muitas vezes elas têm aqui o que nunca tiveram lá fora, como dentista, por exemplo. Temos preocupação com duas coisas: visitas com crianças e o berçário. O que vem aumentando muito é o número de relações afetivas entre elas”, destacou Patrícia.

O que Patrícia revela é confirmado por uma grávida de seis meses. Tem 22 anos, cumpre pena por porte ilegal de arma e chegou ao Iapen há seis meses. Ela disse que não sabia que estava grávida. Pediu para ser transferida ao berçário por causa do assédio de outras presas.

“Eu queria ser tudo, menos presa. Mas fui andar com gente da pesada e me envolver com que não presta e deu nisso. Descobri a gravidez aqui mesmo, quando estava na cela e depois fui transferida para o berçário porque queriam me pegar. É um menino. Ainda não escolhi o nome”, disse ela.

Berçário, local onde as internas com filhos pequenos e grávidas moram

Berçário, local onde as internas com filhos pequenos e grávidas moram

No berçário elas, mesmo grávidas ou com filhos recém-nascidos, cumprem pena normal em regime fechado. Só podem sair para a escola, banho de sol ou atendimento médico agendado. Passam o dia costurando, fazendo crochê, lendo, fazendo atividades no presídio ou fazendo cursos do Pronatec, que são ofertados pela direção do complexo.

“Aqui a gente tem muito tempo pra pensar o que fazer da vida. Logo no início é difícil, mas depois começamos a valorizar pequenas coisas. O que lá fora é sem valor, aqui é bem cuidado e guardado, como uma calcinha ou creme dental”, conta outra presa.

Patrícia Batista: fazemos de tudo para elas se sentirem bem

Patrícia Batista: fazemos de tudo para elas se sentirem bem

Elas têm direito de ficar com as crianças por até seis meses depois de nascidos. Após isso, o bebê é entregue ao pai ou a familiares. Em casos mais extremos e específicos, a criança pode permanecer por mais tempo com a mãe, principalmente nos casos em que a interna é abandonada pela família.

“Para a mulher é mais fácil aceitar um homem preso. Já para o homem é difícil. A família também não aceita. Não tenho como desamparar elas. Eu acabo sendo psicóloga, mãe e muitas vezes ouvinte. Percebo que muitas são de famílias completamente desestruturadas e temos que tentar consertar a consequência e não a causa de um problema”, conclui a coordenadora.

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