CÁSSIA LIMA
Com certeza, pelo menos uma vez na vida, você já sonhou em conhecer o mundo viajando não é? O aposentado brasileiro Antônio Braga, de 80 anos, faz isso há 50 anos em cima de uma moto. Ele já conheceu todo o continente americano.
Antônio nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 1936. Mas veio com a família pra o Brasil na década de 1940 onde morou em São Paulo e Curitiba.
Quando completou 24 anos decidiu conhecer o Brasil de moto. Ele foi o primeiro brasileiro a cruzar o Brasil, em um veículo de duas rodas. Na época, ele tinha uma lambreta e fez o percurso em 6 meses.
Estudou e se formou em educação física. E dentre várias oportunidades de trabalhar no exterior, morou em 1968 na Colômbia. Depois passou anos no Canadá e por último no México, onde vive na cidade de Oaxaca, a 400 km da capital do México, desde 1977.
Ele já teve de 5 motos e viajou a América de norte a sul. Conheceu culturas e realidades diferentes. Hoje ele é viúvo, com três filhos adultos.
Mesmo com problemas de pressão alta e colesterol, ele continua viajando. Ele estava no Amapá nesta semana, a caminho da Guiana Francesa. Muito simpático e cheio de histórias ele contou um pouco das viagens ao site SELESNAFES.COM
De onde veio esse desejo de viajar?
Quando eu era jovem, tinha uns 14 anos, e gazetei aula com uns amigos. Fomos para um parque. Lá tinha uma cigana e ela leu nossa mão. Na minha, ela disse que via muitas viagens por terra e por mar. Ok! Fiquei contente porque sou português e minha origem é essa, desbravar o mundo está no sangue.
Uns dias depois eu fui me pesar numa balança onde se colocava uma moeda e saia um ticket com o seu peso, altura e uma frase da sorte. E a minha dizia que eu ia viajar muito por terra, mar e ar. Aquilo me impactou. Lembrei da minha origem lá da cidade do Porto, em Portugal, que é um local a beira-mar.
Por que viajar só?
Eu gosto desse contato com as pessoas de qualquer extrato social. Gosto dos pobres porque eles são mais humildes e cheios de histórias. Eu aprecio isso. O interessante de uma viagem é isso, aprender sempre. Viajo só porque era um sonho pessoal. Quando casei, minha esposa me acompanhou, mas pra mulher não é muito confortável.
Quais os países que o senhor conheceu?
Ah, nem lembro mais. Argentina, Equador, Peru, Panamá, República Dominicana, Costa Rica, Bahamas, El Salvador, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Ilhas Maldivas. Nossa. Conheci toda a América Latina, com exceção da Guiana Francesa, foi o único lugar que tive problema com visto. E agora que vou pela primeira vez. Mas fui do Alasca até os confins da América do Sul.
Por que escolheu o México pra morar?
Coincidências. Depois de eu trabalhar no Canadá, quando eu já pensava em regressar ao Brasil, fiz escala no México para conhecer Acapulco. Então conheci umas pessoas ligadas ao ramo da educação e naquele período o México estava em um auge econômico muito bom. E eu enviei currículo ao Ministério da Educação e me chamaram para trabalhar, eu fiquei.
Qual o país que o senhor mais gostou?
Todos os países têm seus atrativos turísticos, culturais e geográficos, mas eu me apaixonei mesmo pelo Peru. Não é só pela cultura, mas pela geografia. É um país onde tem desertos, tem a Cordilheira dos Andes, tem o Amazonas, tem Machu Picchu, tem uma culinária rica demais. Agora, no meu regresso, vou passar por lá novamente. Eu amo aquele lugar. Sou atraído por esse lugar.
Onde está a melhor culinária das Américas?
Ah, isso é difícil. Ontem mesmo comi uma peixada de filhote aqui de Macapá que estava uma delícia. Eu gosto muito de peixe. Mas a culinária da América é diversa. No Brasil temos uma forte influência europeia no Sul. No Norte é uma referência indígena. Eu gosto da comida do Peru, sou apaixonado por tudo de lá. Mas a Guatemala tem uma culinária muito rica, assim como a Venezuela.
Qual país lhe chamou atenção pela pobreza extrema?
A América Latina é cheia de riquezas naturais, o Brasil é um exemplo disso. Você pode ver no Brasil um bairro com riquezas espantosas e bem ao lado ter uma favela, como existe mesmo. Isso é como em todos os países da América Latina. Mas pobreza extrema vi na América Central, especialmente Honduras e Nicarágua. São lugares onde há maiores contrastes de pobreza e riqueza. Nesses países conheci bairros em que a pobreza me chocou muito a ponto de me emocionar.
Conte uma história curiosa de viagem que lhe marcou.
Tem uma situação interessante. A primeira vez que vim ao Amapá foi curioso porque era a primeira vez que um forasteiro chegava aqui com um veiculo de duas rodas. Eu fui alvo de muita atenção e não estava preparado pra isso.
Conheci aqui um rapaz chamado Manoel, ele trabalhava na prefeitura e me apresentou toda a cidade. Me levou para dar entrevistas e fazer passeios. Lembro que ele me apresentou jornalistas do Jornal Amapá.
Fizeram uma reportagem comigo e tiraram uma foto no marco da Linha do Equador, que não é onde está agora. Era um ponto na estrada mesmo. Eu fiquei fascinado por estar no meio do mundo. Esse rapaz me levou ao Palácio do Governo e o governador da época me deu um diploma pela minha passagem no marco, e era assinado pelo próprio governador. Achei curioso demais aquilo.
O senhor já ficou no prego?
Já. Há uns anos estava no deserto de Ica, no Peru. No deserto mesmo, e um prego furou o pneu traseiro da minha moto. Estava um calor insuportável. Não passava ninguém e eu tive que ficar lá cinco horas até alguém passar e me ajudar a sair dali.
Já viveu momentos de apuros?
Sim. No Alasca, em 1989. Fiquei no prego no Alasca, num frio danado e com aquele cenário de neve para todos os lados. Lá e natural os ursos polares, então enquanto estava no prego vi um animal, pensei que era um cachorro.
Eu me aproximei e era um urso pequeno. Quando vi que era um urso eu corri e comecei a empurrar a moto porque se a mãe dele aparecesse eu provavelmente seria devorado. Essa foi a mais a mais engraçada e desesperadora, porque na época quase ninguém ia ao Alasca. Não havia muita informação de pessoas passando por lá.
Com que recursos o senhor se mantém nas viagens?
Eu tenho recursos próprios. Quando eu trabalhei, fiz uma reserva para viagens. Atualmente sou aposentado e meus filhos me ajudam também. Nunca tive patrocínio de empresas ou algo assim. Minha renda que me sustenta.
Com tantas viagens e linguagens diferentes, como o senhor se comunica com os outros povos?
Olha, eu falo a língua portuguesa e o espanhol. Mas nunca encontrei tantos problemas de comunicação já que a América tem muita influência dessas linguagens. O que não saiu pela língua eu já usei a mímica. E deu certo. Eu pensei que fosse encontrar problema com o inglês quando fui aos Estados Unidos, mas lá tem muitos latinos e consegui me comunicar normalmente.
O bom disso é que, como sou naturalizado brasileiro, o Brasil tem vários acordos com todos os países americanos e a embaixada brasileira me ajudou muito. Mas não tive grandes problemas, não.
Onde estão as mulheres mais bonitas das Américas?
No Brasil, com certeza. Já conheci muitas mulheres lindas quando era mais novo, mas as brasileiras são encantadoras. Elas têm um carisma, educação e uma simplicidade no olhar que cativam. Isso sem contar a beleza. Com tantas viagens aprendi duas coisas: hoje a moto me rejuvenesce, mas as mulheres rejuvenescem ainda mais um homem de idade.
Com tantas viagens, qual a análise que o senhor faz da América Latina?
A América Latina pra mim é minha casa, apesar de ser português. É um continente rico, pujante, vivo, diverso. Mas lamentavelmente estamos sendo governados por pessoas pouco sérias, então vivemos em uma situação de total carência, abandono.
Muitos países ainda enfrentam ditaduras, mesmo vivendo em democracias. A distribuição de renda é desigual, a educação deixada de lado e a população mais carente sofre com essa falta de respeito. Existem muitos desvios de dinheiro, em todos os países latinos. Eu entendo que isso tem uma questão histórica, já que só mandaram pra América Latina criminosos e pessoas que não serviam socialmente em outros países, mas carregamos esse peso até hoje. É um processo histórico e cultural que explica muito a América atual que é cheia de veias abertas.
O que o senhor aprendeu nesses 50 anos de viagens?
Humildade. A resistência à vida, a persistência das mulheres, a luta dessa gente pobre. Isso é uma lição. Vi tanta gente vivendo em condições diversas que não vivem, mas sobrevivem. Isso me deu uma força. Aprendi que nada é impossível para todos, existem situações difíceis, mas tudo pode mudar. Sou encantado pelos ribeirinhos porque vivem em condições tão diversas sem saúde e educação. Você imagina o quão seria simples se o governo colocasse um barco com atendimento, com escolas e a diferença que isso faria.
Pretende fazer mais viagens?
Sim, enquanto tiver saúde. A minha meta não é ir para a Europa ver as culturas milenares, eu quero mesmo conhecer a África, ver os safáris e conhecer esse povo que deu origem a humanidade. Ainda não tenho uma data, mas quero conhecer o continente Africano.