O bom rock and roll e a máquina de fabricar “brinquedos” nos anos 90

Período foi marcado por fenômenos musicais que não sobreviveram a passagem do tempo, diferente das bandas que atravessaram os 80
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JOSÉ MARQUES JARDIM

Antes de mais nada, desculpas pelo tempo de ausência, mas estamos de volta. O papo é o fim dos anos 80. Na virada para os 90 o rock perdeu um pouco de espaço, diria que até muito espaço, e, para um ritmo que invadia o Brasil com toda a força. Era a tal da lambada. Cara, aquilo tocava até quando a gente ligava o chuveiro. A mídia investiu pesado na fabricação de bandas que tocassem o tal ritmo e aí surgiu um tal de Kaoma. Para nós do rock and roll era o fim da picada, mas para a grande massa, rebolar ao som daquela coisa era o máximo. As rádios, claro, se renderam e passou a ser mais difícil ouvir algo de qualidade nas ondas da frequência modulada.

A "febre" da lambada nos anos 1990

A “febre” da lambada nos anos 1990

Contudo não nos rendemos, continuávamos com os ensaios de garagem e as apresentações em festinhas particulares e inferninhos improvisados com aqueles convites underground feitos só para quem curtia. Parecia coisa da máfia, parceiro.

O segmento mais radical, que até então tocava o punk rock começou a sacar que o lance era outro e que o cenário estava mudando. De uma forma bem primária entendemos o que viria a ser o tal do “som comercial”. Porém, resistência é resistência, e nós, os punks da tucujulândia resistimos bravamente com nossos cabelos esquisitos, coturnos pretos e calças rasgadas, mas teve muita banda que aderiu a coisas do tipo “Polegar”.

LP do Polegar com a famosa canção dos anos 1990 "Dá Pra Mim"

LP do Polegar com a famosa canção dos anos 1990 “Dá pra mim”. Letras inofensivas

Cara, nos shows de praça era uma graça ficar ouvindo aquele refrão mequetrefe de “você é o tijolinho que faltava na minha construção” ou então o tal de “Dá pra mim”. Em outro contexto nada contra (se é que você me entende), mas aquela música… putz.

Para quem não é da época, Polegar foi uma boy band de quatro moleques granados fabricados por Gugu Liberato para ganhar ainda mais dinheiro. Letrinhas inofensivas enquanto ainda ecoava o grito da Legião Urbana perguntando “Que país é esse?” ou do Cólera visceralmente esbravejando contra as desigualdades da vida urbano proletária. Ou até mesmo os Garotos Podres desqualificando da forma mais marxista a figura smithiana de papai Noel.

garotos-podres

Garotos podres

Do ponto de vista punk, de quase trinta anos atrás, a década de 90, de certa forma significou um retrocesso para o que vinha acontecendo no cenário alternativo. Mas nós também sacávamos que essa coisa de comercial e alternativo era uma linha muito tênue, afinal, o que até certo ponto foi considerado alternativo já era comercial. Os caras tinham que vender disco também e aparecer na mídia para poder fazer isso acontecer. Ficar puto com isso era coisa de garoto rebelde, além de dar murro em ponta de faca.

A mídia nada mais é que uma máquina que fabrica “brinquedos” para “crianças”, quando elas enjoam deixam de lado, aí, se fabricam outros brinquedos.

Bandas como Legião Urbana, Kid Abelha e Engenheiros conseguiram fazer a transição para os anos 90

Bandas como Legião Urbana, Kid Abelha e Engenheiros conseguiram fazer a transição para os anos 90

A diferença, cara, é que as bandas naquela época tinham o que dizer com caras que sabiam o que e como escrever. Não preciso dizer que Legião, Engenheiros, Titãs, Kid Abelha, Ira, Capital e mais uma meia dúzia atravessou os 80 e passou pelos 90 de boa. Onde está o Polegar e o Dominó? É aí que aquela nossa teoria da fábrica de brinquedos encaixa, sacou? E pelas bandas de cá aquela nova fase “noventista” começava meio que assim. Era como aquele belo uísque envelhecido por mais de 18 anos que o cara joga no copo e em seguida enche de coca cola e gelo, putz. Mais à frente fomos surpreendidos com mais dessa mistura, uma invasão gringa de calças de couro, vozes estridentes, caras e bocas, mas isso é uma outra história.

Seles Nafes
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