JÚLIO MIRAGAIA
Eu havia escrito um texto no Facebook durante o fim de semana, comentando sobre a morte de Fidel Castro. Nele, eu dizia que andava pessimista sobre os destinos da humanidade. Porém, ainda não tinha ouvido falar de dona Rosimeire Silva. Ela é mãe de Luan Hasley Gomes da Silva, de 18 anos, estudante da Escola Francisco Walcy Lobato Lima, em Santana.
Luan foi assassinado por outro adolescente, de 13 anos, na última sexta-feira, 25, dentro da escola. Rosimeire é conselheira tutelar do município de Calçoene. Não a conheço pessoalmente.
A tragédia que devastou o Brasil no início da semana também ainda não tinha ocorrido. Em viagem para a disputa da final da Copa Sul-Americana, 71 pessoas, incluindo quase todo o time do Chapecoense, 20 jornalistas, passageiros, pilotos e comissários de bordo morreram na queda de um avião.
O meu pessimismo não tinha visto a comoção que tomou conta do país e do mundo.
Tinha visto nos últimos dias a garota que foi mantida com homens numa prisão em 2008, em Abaetetuba, no Pará, sendo noticiada como moradora de rua atualmente. Visto nosso atual governo aprovar austeridade e manobrar para perdoar corruptos e corruptores, junto com o parlamento em Brasília.
Vi também a guerra na Síria ir cada vez mais para uma situação de barbárie. Vi e vejo todos os dias pelas redes sociais o ódio, o preconceito e a intolerância sendo disseminados de uma forma tão irracional quanto insuportável.
Mas eu não tinha assistido o depoimento da mãe do estudante Luan.
Durante o início desta semana, especificamente na terça-feira, dia 29 de novembro, a direção da escola Walcy, professores, estudantes e Polícia Militar realizaram um dia inteiro de programação para superar o trauma de um homicídio dentro da escola.
No mesmo dia, o mundo virtual e real era inundado não somente por lágrimas, mas por solidariedade com os parentes e vítimas da tragédia de Medelín. Artistas, políticos, adversários, homens, mulheres, crianças, todos esqueceram suas diferenças e tornaram os últimos dois dias um tempo de reflexão, respeito e confraternização.
Tenho a impressão que as grandes tragédias que devastam a alma são capazes de fazer a humanidade dar uma boa melhorada. Mas não foi apenas esse clima que se espalhou pelo Brasil, pela América Latina e pelo mundo que me fez repensar a “afirmativa incerta” do sábado. Foi o vídeo da dona Rosimeire.
Nele, ela diz perdoar o menor que matou o filho e pede para que os alunos não busquem vingança, mas paz.
Rosimeire diz que o adolescente, de 13 anos, tem um histórico familiar ruim. O pai foi assassinado, a mãe esfaqueada quando estava grávida dele. Ambos eram envolvidos com o tráfico, de acordo com o relato.
Aquilo realmente inquietou.
Vejo pelos últimos acontecimentos que a humanidade consegue ir do oito ao oitenta em suas ações. O mundo pode ser extremamente injusto, como é com a maioria das pessoas. Mas há momentos como esses de confraternização, de perdão e de esperança, como na noite de ontem, em Medelín e em Chapecó, em que vimos dois estádios lotados, cantando e vibrando por uma partida que não aconteceu, mas que será eterna.
O perdão de Rosimeire certamente impulsiona nos colegas de Luan outra cultura que não é a da violência. Não é a cultura do bandido bom é bandido morto. Não é a cultura que disputa os rumos dessa sociedade e que pode levar, pela guerra em todos os seus sentidos, essa espécie até a extinção.
A cultura de paz de Rosimeire é a mesma que ecoou pelas veias da América Latina na noite desta quarta, na Arena Condá e no estádio do Atlético Nacional.
Se Eduardo Galeano (autor de “As Veias Abertas da América Latina”) ainda estivesse vivo ontem, provavelmente tentaria atualizar seu livro sobre a história desse esporte que mexe com nossas paixões. O livro se chama Futebol ao Sol e à Sombra. Acredito que todas as tentativas do jornalista e escritor uruguaio seriam em vão. Provavelmente, ele conseguiria apenas contemplar aquele momento em que transbordou humanidade nos estádios e no resto do planeta.
São dias de recarregar a bateria da esperança na direção de outro futuro. O mesmo que Rosimeire e os professores da escola Walcy tentam guiar seus alunos.
Foto destaque: El País