JÚLIO MIRAGAIA
Há qualquer coisa como uma cortina de fumaça sobre a realidade deste país. Os fatos concretos estão sendo envoltos numa substância de abstrações que levam a falsa crítica a um status de verdade e chegamos, supostamente engajados, a lugar nenhum.
Se o primeiro parágrafo deste texto lhe pareceu tão confuso quanto à conjuntura brasileira, vou tentar em poucas linhas explicar sobre o que falo, partindo do último acontecimento de maior repercussão.
A recente greve da Polícia Militar do Espírito Santo, na região sudeste, desaguou numa onda de violência pelas ruas do estado. De acordo com o que boa parte dos portais de notícias tem informado, em 5 dias de movimento paredista, já são registradas quase 100 mortes, saques, arrastões e toda sorte de crime. A população está acuada dentro de casa.
Diante deste fato concreto, buscam-se as mais diversas linhas de argumentações para o que motiva tal situação. E não há nada de errado em pensar, opinar e buscar soluções. O problema reside na distorção da realidade.
Não é difícil achar textões de Whatsapp, por exemplo, que praticamente atribuem ao deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL do Rio de Janeiro (pasmem), a responsabilidade pelo caos instalado no estado vizinho a área de atuação do parlamentar carioca. A lógica aplicada é que como Freixo defende a desmilitarização da polícia, logo, sem Polícia Militar não haveria polícia nas ruas e o caos se aprofundaria, como está o Espírito Santo com a greve.
Trata-se de uma falsa polêmica porque na verdade o que Freixo e seu partido defendem é que a polícia deixe de ser vinculada a uma estrutura de funcionamento militar e passe a ser uma força civil, como o é nos países da Europa, nos Estados Unidos e em várias outras partes do mundo. Essa mudança, de acordo com o deputado, melhoraria a própria carreira do policial e não foi algo que saiu de sua cabeça, pelo contrário. Não são poucos os policiais que defendem essa bandeira Brasil afora, pensando em benefícios para sua profissão.
Mas antes que você, amigo de direita, deixe de ler esse texto quero voltar a dizer que esse debate é uma falsa polêmica diante do principal fato. Cortina de fumaça que torna os debates de internet uma verdadeira Torre de Babel, aquela história contada na Bíblia, no livro de Gênesis, em que uma torre foi construída para falar com os deuses e os que ali estavam não conseguiam se comunicar entre si porque estavam falando línguas diferentes um dos outros.
Você, amigo de esquerda, também deveria pensar sobre esse problema da falta de comunicação o qual estamos vendo impedir cada vez mais o diálogo. Mas ok, o objetivo aqui não é puxar a orelha de ninguém.
A greve da PM do Espírito Santo é o fato concreto. Policiais, pais e mães de família, estão com salários defasados (o último reajuste foi em 2010), condições de trabalho extenuantes e com a ameaça do aprofundamento da retiradas de direitos, como a previdência.
Diante desse acontecimento e dos bárbaros episódios de violência que estão ocorrendo, devemos seguir com um debate estéril de “militariza” ou não “militariza”, “bolsomito”, “foi golpe sim”, e todo o arcabouço retórico e inútil que não apresenta uma saída concreta para os problemas que vivemos? Acredito que não.
Neste mês de fevereiro de 2017 não será decidido se a polícia será desmilitarizada ou não. A violência precisa parar e dar sossego para a população que não bastasse os salários arrochados pela austeridade dos governos, o empobrecimento, as dívidas e tantos outros problemas, ainda tem que se sentir acuada dentro de suas casas.
O próximo estado a entrar em greve a polícia pode ser o Rio de Janeiro. Se já está sendo bárbaro no Espírito Santo, imagine como será por lá?
Penso que devemos todos apoiar a greve da PM sim. Que seus salários deixem de ser arrochados, que nenhum direito seja retirado, que haja melhores condições de trabalho e uma aproximação maior entre os agentes da segurança pública e a população, principalmente a mais pobre, que está vulnerável as garras do tráfico, em especial os jovens. Que o governo atenda suas reivindicações urgentemente, que nenhum trabalhador da segurança seja preso ou punido, afinal, é o problema econômico o motivador para a crise.
Do jeito que as coisas estão, parece ilusão pensar que pode melhorar. A violência que fez cabeças rolarem nos presídios no início do ano começou a transbordar nas ruas do país de uma forma sem precedentes, tendo até o exército que ocupar as ruas no caso capixaba.
Alimentar o fla-flu ideológico diante de um problema real não vai nos ajudar a sair do fundo do poço. Levará essa sociedade já tão apodrecida a ser fungo sem que saibamos quando a desgraça começou.