De Oiapoque, HUMBERTO BAÍA
Oiapoque é uns dos municípios mais setentrionais do Brasil, localizado no extremo Norte do Amapá. São 600 quilômetros da capital até Oiapoque, sendo 170 quilômetros em estrada de terra. De janeiro a julho, a trafegabilidade neste trecho é complicada por conta da grande quantidade de chuvas na região e infindáveis atoleiros na BR 156.
Nos anos 1980, a região era uma área promissora para a extração de ouro. Os garimpeiros utilizavam balsas e mergulhadores para procurar o metal precioso no leito do rio. Foi nessa época que muita gente veio para Oiapoque em busca de melhores dias. Alguns se estabeleceram na cidade, e outros seguiram para a Guiana Francesa atrás dos francos, moeda corrente até o começo do ano 2000.
Na semana passada, o artista amapaense Finéias Nelutty retornou ao Oiapoque após uma série de apresentações que incluíram a Guiana francesa, acompanhado da cantora Deise Pinheiro.
O portal SELESNAFES.COM bateu um rápido papo com o artista que lembrou quando chegou à cidade pela primeira vez, ainda nos anos 80. Para ele, a estrada pouco mudou, as dificuldades de chegar à cidade ainda são uma realidade nos dias de hoje.
Ele também lembrou da primeira travessia para a Guiana, e dos perigosos que viveu na viagem que quase terminou em naufrágio.
SELESNAFES.COM
Como você chegou ao Oiapoque?
FINEIAS
Cheguei no final dos anos 80. Eu estava na época com a Banda Fama, comandada pelo Marcondes, onde eu era o guitarrista. Só tinha 17 anos na época. Éramos meio “porra louca”, e eu estava a fim de aventura.
Quanto tempo você ficou em Oiapoque?
Viemos para tocar um fim de semana na boate Scorpions, e fiquei 8 meses por aqui. Foi nessa época que conheci muita gente que até hoje são meu amigos.
E o que você fazia pra ganhar a vida?
Fazia de tudo para subsistir. Conheci todo tipo de pessoa, inclusive o finado Pepê, um antigo catraieiro que atravessava pessoas clandestinas para Caiena. Na época fui morar e trabalhar em Hounary, uma localidade francesa em uma ilha. Lá trabalhei montando antenas da RFO, (TV francesa).
O que te levou a conhecer Caiena?
Cara, tudo era novo e todo mundo ia pra lá. Foi aí que conheci Renè Claude Bouchert, pai da cantora de zouk Muriel.
Foi difícil conseguir a viagem?
Foi aí que conheci o cara da catraia, mas eu não tinha dinheiro para pagar a viagem que na época já era cara, mas aproveitei o descuido do dono do barco e entrei. Eu era magro, não dava pra me notar. Quando deram por mim eu já estava na montanha Larjan, uma ilha do lado francês bem no meio do oceano. Coisa de louco (risos)
E como foi o resto da viagem?
Coisa de louco, cara. Eram ondas de 5 a 7 metros de altura, e o barco só tinha uns 7 metros de comprimento feito de madeira. Quando o barco saia da crista da onda caia no vazio do oceano. Acho que nunca rezei tanto na minha vida. O barco parecia que ia quebrar em 2. E pra complicar ainda mais, uma rachadura no casco quase afunda o barco. Fiquei a viagem toda jogando água fora do barco.
Quantos pessoas iam na viagem ?
Umas 15 pessoas sem colete, sem nada. Apenas a vontade de chegar, e o barco também transportava todo tipo de contrabando: charque, café e calabresa (esses produtos são proibidos na Guiana Francesa) e outras cositas mais. Rs
Fineias é um dos ícones da cultura amapaense. Já em Caiena, com a influência de Claude, pai de Muriel, foi o fundador da banda New Star. Eclético, ele pode sair do sertanejo passar pelo arrocha e desembarcar no jazz. E fez sucesso, estrondoso nos anos 2000 como a “Bicha do Brega” e a Banda Fuzarka.
Hoje, assina seus trabalhos como Fineias Nelluty, sempre com um ritmo pra cima e dançante,
“Estamos mais próximos do Caribe que do resto do Brasil, é normal essa influência caribenha na nossa música, diz o artista criador da zankeirada, ritmo que embalou o último carnaval de Macapá e Santana.
Ainda hoje e possível viajar de catraia pelo oceano para a Guiana Francesa, mas tudo a feito na “boca pequena”.
Com o tremor de terra no Haiti em 2010, muitos haitianos vão para Oiapoque e depois seguem viagem para Caiena através do mar. As autoridades estimam que pelo menos 1,5 mil pessoas por ano entram na Guiana clandestinamente pelo oceano. Em Caiena, os haitianos são a maior comunidade estrangeira seguida dos brasileiros.