JÚLIO MIRAGAIA
Percorrendo o interior do Amapá desde o ano passado ao lado de Zé Miguel, o cantor Osmar Junior, 54 anos, agora é também parte do projeto musical “Norteia”. Os dois cancioneiros amazônicos se unem à jovem cantora Ariel Moura em uma série de shows que unem duas gerações musicais.
De um lado, os autores de clássicos locais como “Pérola Azulada”, “Igarapé das Mulheres” e “Vida Boa”. De outro, a revelação na última edição do programa The Voice Brasil, da Rede Globo.
Os três artistas dão o ponta pé inicial no show Norteia na noite desta sexta-feira, 31, no bar O Barril, no Centro de Macapá.
O portal SELESNAFES.COM conversou com Osmar Júnior sobre o atual cenário da música produzida no Amapá, sua carreira e projetos futuros.
Quais os desafios dos artistas que produzem Música Popular Brasileira no Amapá?
O que está acontecendo é que nós temos que reconquistar o Estado. O que acontece agora, a gente precisa ir às praças dos municípios do Estado, e realimentar essa mídia pessoalmente, porque o cara pode ouvir no rádio, mas ele não teve essa experiência pessoalmente. Você tem que fazer essa turnê dessa forma, uma reaproximação dos municípios, ou seja, esse jargão do turismo do município. Então a gente quer fazer show em escola, em praça pública, onde der. Depois a nossa meta são os outros estados da Amazônia… pra seguir esse projeto.
A caminhada que você estava fazendo pelo interior, junto com Zé Miguel, incorporou a jovem cantora Ariel Moura…
Entra a Ariel no que a gente já faz. Eu e o Zé Miguel já temos músicas conhecidas então a gente chega no interior do estado e o papo é esse. O povo canta, quer ouvir Pérola Azulada duas vezes, Vida Boa duas vezes, Igarapé das Mulheres duas vezes, Tarumã duas vezes, aí fica aquela coisa na praça muito intimista. Mas o pessoal tá cantando junto e isso é legal. Agora entra a Arielzinha, 20 anos de idade, ainda não tem um disco formado, ela tem uma aura muito boa. Nós nos juntamos, duas gerações.
A música da Amazônia está na agenda da indústria fonográfica brasileira?
É uma coisa esquisita… eles comeram o Ruy Barata, Paulo André Barata, Thiago de Melo, os maiores nomes da literatura, pra colocar um caras desesperados querendo ser nortista. Quer queira ou quer não, nós somos ainda um povo cabano, um povo índio, nós somos discriminados. Por que eu não vou pra São Paulo e pro Rio de Janeiro? Porque eu sou um cabano. Eu sou um revoltado. Acredito no seguinte, a indústria fonográfica no Brasil ela tá no Rio e em São Paulo, mas a Bahia afrouxou pra eles? Não, a Bahia fez a indústria dela, o Sudeste, os fazendeiros, o sistema agro, que tem o sertanejo afrouxou pra eles? Não. A Amazônia é o último movimento da música popular brasileira.
E os novos fenômenos musicais da região?
Mesmo o Calypso, a Gaby Amarantos, se crescer um pouco aqui vão lá (a indústria fonográfica) e abocanham. O tecno, as aparelhagens são demais pra eles, o funk deles tá na frente do tecno. Quando quiseram abocanhar o funk, os moleques disseram não. As cantoras do norte não são cantoras nordestinas e paulistas. Ou são se for morar pra lá e tiver a grana pra ficar lá. A cantora do norte ela é ideológica, ela vem pra levantar os poetas do norte, a voz do norte do Brasil. Ela tem sempre que olhar pra região dela, querendo levantar. É o que faz toda cantora na verdade, de Elba Ramalho à Ivete Sangalo.
A população se apropriou da música produzida aqui, tomou para si?
No meu caso, do movimento Costa Norte, já virou cancioneiro, em todo o lugar tem um cancioneiro. Em Belém tem o Nilson Chaves, o Amapá tem Zé Miguel, tem Osmar Junior, etc. Tem 37 Tccs, doutorados, que disseram isso nas universidades, virou cancioneiro local, dali em diante quase ninguém conhece a gente. Eu tenho músicas gravadas com a Fafá de Belém, mas ninguém liga uma coisa a outra. O empresariado amapaense deve investir nessa marca, na aldeia.
Fale um pouco sobre sua carreira, como está…
Tô com um disco novo na gravadora, estou gravando. O disco se chama “Qual a Novidade?”, continua tratando dessa resistência, dessa resistência não, desse grito de divulgação do homem da Amazônia, da cultura amazônica, da coisa artesanal, da coisa do índio, da coisa do negro. Parece uma coisa sensacionalista, mas não é. É uma realidade.
É um disco novo, conceitual?
Qual a novidade? A novidade é que nada mudou. Continuamos sendo queimados, continuamos sendo explorados, continuamos discriminados, parece que é um sub-povo, temos uma fronteira onde ninguém termina uma estrada, uma ponte para terminar foi um sacrifício e eu acoplo a minha música à política social, é o que tem pra fazer.
São quantas faixas?
São 14 músicas. 14 músicas com vários convidados, quero dialogar com Portugal e as ilhas de língua portuguesa, como Ilha da Madeira, essas ilhas me interessam. Eu estive em Portugal agora, muitos escritores interessados na nossa música a partir da literatura. O que a gente tem aqui eles têm duas vezes lá, então o que que me interessa, o que foi que eu aprendi, agora em Portugal, eu aprendi que Portugal quer ver um cenário amazônico e não consegue. A África tem um cenário. Parece que os músicos daqui tem vergonha da paisagem, que é a coisa que mais interessa na Europa, aí eu fiz um disco pra preparar pra clipes pra colocar isso aí.
Quem são os convidados?
Como é um disco biográfico, eu convidei Negro de Nós, convidei o Afro-Brasil, aquilo que eu acho que foi a novidade dos últimos 20 anos, vamos colocar dez anos aí. O Negro de Nós, o Afro Brasil que faz aquela coisa do marabaixo, batuque, cacicó o mais próximo dos negros da Guiana aqui em Macapá.
O que esperar do cenário musical nos próximos anos no Amapá?
Existem cantores que vieram mesmo com ideologia e existe gente que entra no movimento só pra fazer uma “paideguagem”. Pra encerrar, você estava perguntando sobre como está o meu trabalho, é como se fosse um Sentinela Nortente 2. Pra mim e pro Zé, aos 54 anos, toda cantora nova que tenha potencial e vontade nos interessa, qualquer nova geração pra gente interessa porque significa perpetuar nossa música. No meu caso, pessoalmente, eu acho uma tremenda desconsideração quando uma cantora tem uma brecha na mídia nacional e nos abandona por produtores e compositores paulistas. O certo seria nós equilibrarmos nossas forças.