JÚLIO MIRAGAIA
Uso a canção “Sentinela Nortente”, de Osmar Junior, no título deste artigo para provocar uma reflexão. A de que os acontecimentos dos últimos dias na Guiana Francesa, departamento francês vizinho ao Amapá, são diretamente relacionados com a mesma lógica da letra do poeta: a da relação de saque das riquezas da região para um determinado “centro” e suas consequências nada positivas para os explorados.
Em Sentinela Nortente, canção imortalizada na voz de Amadeu Cavalcante, de forma metafórica, a Amazônia e especialmente o Amapá, são alvos de uma exploração que não serve para o morador da região. Seu lugar é no esquecimento, apesar das riquezas de sua terra.
No caso da Guiana Francesa, as manifestações desencadeadas desde o dia 20 de março são a explosão de uma situação econômica insustentável.
O avanço do desemprego (23% da população) e da violência na região, colados a piora da qualidade de vida, são os ingredientes para que o caldeirão de mobilizações populares e greves questione a classe política e exija mudanças urgentes. Os protestos ocorrem em meio a mais uma eleição presidencial na França em que as demandas do pedaço sul-americano do país estão sendo ignoradas.
Voltando a comparação com a Sentinela Nortente, chega a ser lugar comum nas conversas entre moradores do Amapá e da Guiana Francesa que as duas regiões tenham de semelhança o fato de sofrerem certo descaso pela classe política de seus países.
O Amapá, ao longo de sua história como parte do Estado do Pará e posteriormente como território federal para depois ser Estado, tem uma participação periférica na vida brasileira. Exceto quando o assunto é a exploração dos recursos naturais, como nos casos Icomi e MMX, que serviram para um grupo econômico obter alguma vantagem em detrimento de pouco ou nenhum ganho real para a maioria da população.
Nosso isolamento geográfico ao sul e ao norte do Estado, uma BR-156 inacabada e uma ponte na fronteira com o Oiapoque inaugurada na marra e que serve apenas para o lado francês são os elementos reais do não-desenvolvimento amapaense.
A Guiana Francesa é marcada por sua condição como colônia entre os anos de 1676 e 1946. Passou posteriormente a ser departamento e apesar de alguns benefícios e momentos de relativa prosperidade em sua história, os dias atuais são de uma profunda crise social.
O centro político, a França, porém, não parece muito interessada em nada além do que manter seus interesses na região: a presença física na América do Sul, garantir o funcionamento de empreendimentos como o Centro Espacial de Kourou, além da exploração do meio ambiente.
Não que vá analisar parte por parte da letra, mas nestes exemplos sobre o Amapá e a Guiana Francesa vemos expressos categoricamente os versos: “nossos brilhos em outras coroas, de marajás longe daqui…”.
Em tempos de indignação generalizada contra os desmandos que tanto fazem mal para os de baixo, os esquecidos e marginalizados pelas “metrópoles”, esperamos que o movimento da população de nossos vizinhos triunfe. E que sirva de inspiração para que possamos também mudar os rumos dos ventos que batem por essas bandas da Linha do Equador.
Ouça abaixo o disco Sentinela Nortente. Aos 20 minutos e 33 segundos você pode conferir a música tema que este artigo trata.