JÚLIO MIRAGAIA
O recente fenômeno do jogo “Baleia Azul” e a série “13 Reasons Why”, da Netflix, colocaram da pior maneira possível a questão do suicídio em pauta na sociedade.
O jogo, viralizado pelas redes sociais em grupos de Whatsapp e Facebook, conduz os participantes, na maioria adolescentes, para 50 tarefas entre mutilações, escutar músicas depressivas e assistir filmes de terror. O desafio culmina com a retirada da própria vida.
O que pouco vem sendo informado é que o Baleia Azul, dito como tendo surgido na Rússia, foi na verdade um fake news (notícia falsa) originado no país em 2015. Porém, a boataria corriqueira das redes sociais levou para a vida real o criminoso “entretenimento” em várias partes do mundo, chegando ao Brasil nas últimas semanas em casos registrados em Minas Gerais e no Mato Grosso com vítimas fatais. A polícia investiga também ocorrências no Rio de Janeiro, na Paraíba e no Paraná.
Já a série adolescente da Netflix retrata, por meio da reconstituição, os motivos que levaram uma jovem a cometer suicídio. De forma irresponsável, a trama mais parece um manual de como cometer suicídio e se vingar das pessoas que desestabilizam emocionalmente uma vítima do fatídico ato. Não pretendo aqui entrar numa análise profunda sobre a qualidade do seriado que, em minha opinião, foi superestimado.
O problema no caso dos 13 Porquês (em livre tradução) é que supostamente a história ajudaria pessoas com tendências depressivas e potenciais suicidas a valorizar a vida. Mas não é bem o que se vê. Não é minha opinião, mas um argumento contrário a abordagem da série é que ela funcionaria como um “gatilho”, incentivando uma modalidade de suicídio. Não acredito que chegue a isso, mas não irei me deter sobre esse tipo de conteúdo poder existir ou não.
O suicídio não é uma novidade na história humana. Não é exclusividade da população jovem, apesar de serem muitos os casos. Em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, foram registrados mais de 800 mil casos no ano de 2015. O Brasil é o 8º país com maior incidência de suicídios, com mais de 12 mil casos por ano.
No Amapá, segundo o registro do jornalista Bolero Neto, foram 13 ocorrências somente em 2017. Em 2016, no mesmo período, haviam sido 11.
Na ficção também, o suicídio não é novidade. A literatura é farta em romances e contos que narram dramas que conduzem para o autocídio. “Romeu e Julieta” de Shakespeare, “O Sofrimento do Jovem Werther” de Goethe, e tantos outros exemplos são prova cabal dessa afirmação. Aliás, essas obras, quando lançadas na Europa em sua época, levaram a uma onda de mortes, nesse caso, por conta dos amores não realizados ou impossíveis.
Mas a frustração amorosa não é a única razão para o suicídio e isso parece um pouco óbvio, numa sociedade em que o consumo e a realização financeira não estão ao alcance de todos. Estudos internacionais, como um feito pela Universidade de Zurique com dados de 63 países de 2000 a 2011 (Folha de São Paulo/24/07/2016), apontaram forte relação entre suicídios e desemprego. Os suicídios de trabalhadores desempregados na Grécia ou ultra explorados na ditadura chinesa, dentro das fábricas das multinacionais, também ilustram essa trágica e complexa aquarela.
São variados os motivos que levam um ser humano a tirar a própria vida e é um assunto delicado a ser abordado na imprensa. Mas o que impressiona dos últimos dias é, sem dúvida, mais uma vez o salto da ficção para a realidade dos atos em voga. Como saltou da literatura romântica para os lares da Alemanha, da França e da Inglaterra, outrora, atravessa a dimensão das notícias falsas da internet para o terreno da realidade o jogo da Baleia Azul, onde um público se sente representado em se submeter a uma pessoa que a conduzirá até a morte.
Não proponho grandes conclusões neste artigo, mas nunca é demais oferecer ajuda a quem precisa. O Centro de Valorização da Vida (CVV) conta com uma campanha permanente de atendimento e treina voluntários que desejam contribuir para que vidas não sejam perdidas por qualquer motivo que seja. Para além dos “gatilhos midiáticos” de nosso tempo, é preciso que haja o terreno da resistência, do amparo e da ajuda para que a vida possa vencer.
No Amapá, o número do CVV é o 141.