OPINIÃO: As entrevistas de Cazuza e Joesley

O Brasil coleciona denunciadores da República na arte, no mundo dos negócios, ou onde cada época permite surgir
Compartilhamentos

JÚLIO MIRAGAIA

Cada época tem o homem bomba da República que lhe cabe ou que pode. O Brasil dos anos 1980 teve seu franco atirador na música: Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza. O Brasil de 2017 tem seu denunciante longe da poesia e da arte, mas no mundo dos negócios: Joesley Mendonça Batista, ou apenas Joesley.

Em 1988, Cazuza concedeu uma entrevista ao programa Jô Soares Onze e Meia. Disse se identificar ideologicamente como socialista, que acreditava que o PT era um partido honesto, era fã de Erundina.

Falou que cuspiu na bandeira do Brasil em um show como forma de protesto, mas que amava o país e que talvez fosse uma boa ideia retirar da bandeira nacional os dizeres “ordem e progresso”. Dessa forma, anarco-irreverente, ele desbaratava a falsa moral, as elites, os governantes corruptos e apontava para o novo nos costumes, na nação e na política.

Quase duas décadas se passaram e muita coisa mudou. Cazuza morreu e deixou uma obra ainda atual na crítica social, com seus clássicos “Brasil”, “Burguesia”, “Ideologia” ou “O tempo não pára”. O PT, partido qual o artista admirava, perdeu suas ideologias e ficou tão corrupto e aplicador de ajustes fiscais quanto os adversários que combateu até chegar ao poder.

Na verdade, uma parte desses adversários viraram aliados do PT e depois adversários novamente e puseram o partido pra fora do poder, por meio de uma conspiração parlamentar. E é aí que entra o nosso delator ou o “Cazuza” deste fim de anos 10 do século vinte e um.

Joesley concedeu entrevista exclusiva à revista Época na quinta-feira (15). Nela, afirma que o presidente Michel Temer (PMDB) é o chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil. Que Temer não tinha cerimônia para pedir dinheiro e que o ex-presidente da câmara, Eduardo Cunha, cobrava propina em nome do mandatário do país.

Capa do jornal Estado de Minas, numa edição de maio. Canção de Cazuza para o caso Joesley. Imagem: reprodução

Diferente de Cazuza, Joesley é capitalista. Financiou campanhas eleitorais dos principais partidos políticos. Em maio, foi divulgado que o empresário da J & F havia gravado uma conversa com Temer em que o presidente pede “tem que manter isso aí”, em relação a mesada que era mantida para Eduardo Cunha na cadeia em troca do silêncio do deputado.

Joesley não é nenhum santo, é ativo no processo de corrupção de políticos ao longo dos últimos anos e se o PT institucionalizou a corrupção no país como ele diz, é com sua generosa participação. Com certeza não merece um prêmio como o que recebeu no acordo que permitiu que saísse do país.

Independente dos juízos que se apliquem, este é o denunciante dos desmandos que têm essas dias estranhos.

São tempos estranhos, definitivamente. O país vai descobrindo, como numa amarga ressaca, que as páginas da história não são escritas apenas por heróis ou anti-heróis. Que o jogo político é mais complexo do que a falsa polarização que a classe política nos faz acreditar. 

Felizmente, temos “homens bombas”, denunciadores da República. Gostemos ou não deles ou de sua área de atuação, ou do seu grau de envolvimento na sujeira que aí está. Alguns deles cospem literalmente na bandeira do país e o amam. Outros, cospem metaforicamente e estão mais preocupados com os próprios dólares.

Abaixo, confira a entrevista de Cazuza ao Jô e o link com parte da entrevista de Joesley à revista Época.

 

Entrevista da Época: http://epoca.globo.com/politica/noticia/2017/06/joesley-batista-temer-e-o-chefe-da-quadrilha-mais-perigosa-do-brasil.html

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!