CÁSSIA LIMA
Ele é bem humorado, inteligente e objetivo. Esse é o perfil rápido do seu Francisco Ferreira da Silva, de 60 anos. Atualmente ele é vigia numa escola da zona sul, mas poucos conhecem seu passado de 20 anos viciado em álcool e maconha.
Francisco é voluntario do Centro de Atenção Psicossocial e de Álcool e Drogas (Caps). Ele ajuda outros dependentes químicos a saírem do vício e completa: “tudo depende da vontade própria”.
Natural do Estado do Piauí, ele veio pra Macapá em 1995. Quando chegou já era viciado no álcool e depois veio a maconha. Ele morou nas ruas e contou ao portal SELESNAFES.COM como saiu do vício.
Qual foi primeira vez que o senhor experimentou uma droga?
Foi aos 12 anos. Meu pai era um promotor de eventos. Sempre sobrava bebida nas festas que ele fazia. Um dia, quando tinha 12 anos, ele me deu um copo de conhaque. Aquela foi a primeira vez que tomei bebida alcoólica. Minha mãe faleceu quando eu tinha 6 anos. Eu e meus 10 irmãos fomos criados só pelo meu pai. Minha família era muito desestruturada e morávamos numa casa com o chão batido, no interior do Piauí. Eu experimentei álcool e nunca mais parei.
Na sua juventude, como o senhor sustentava o vício?
Eu trabalhava na roça dos outros. Aos 15 anos já bebia todo dia e o dinheirinho que pegava era pro vício. Eu achava legal, me sentia bem e descolado. Depois fui pra cidade e conheci a maconha. Usei maconha uns 20 anos da minha vida. Soube que tinha muito trabalho aqui no Amapá e vim pra cá. Aqui que a coisa piorou. Conheci uma moça, me casei e tive dois filhos. Mas eu bebia e usava muita maconha. Comecei a beber até cair nas ruas e assim comecei a viver na sarjeta.
O senhor lembra como era o dia a dia nas ruas?
Ah sim. Lembro. Morei na rua em Macapá e depois fui pra Santana. Passei uns anos morando em feiras no meio do lixo. Depois voltei pra Macapá. Dormia em qualquer canto até o sol esquentar muito. Encontrei outros moradores de rua e comecei a andar com eles. Todos éramos viciados em álcool e maconha. O único momento que a gente comia bem era nos fins de semana porque a gente pedia resto de comida na antiga Casa das Carnes. Lá, a gente pegava pedaços de carnes e ossadas. Fazíamos fogo na rua, colocávamos comida numa lata de tinta e cozinhava tudo. Era uma alegria.
O senhor chegou a roubar pra sustentar o vício?
Não, nunca roubei. Tenho uma coisa comigo. Meu avô sempre dizia que a maior desonra do homem é roubar. Isso eu sempre levei comigo. Eu pedia de todo mundo na rua. Mas nunca roubei. Lembro de muitas pessoas que me aconselhavam a sair das ruas.
Onde o senhor comprava maconha?
Ah! É muito fácil encontrar droga em Macapá. Muito mesmo. Te oferecem em muitos cantos. Além de ter os famosos “boqueiros”, tem uma quantidade gigantesca de distribuidor na rua. É um número infinito. Tem em pontos desde o centro da cidade até nos bairros mais distantes. A polícia encontra um ponto e abrem mais três.
Quando o senhor se deu conta que estava viciado?
Em 2002. Quando já fazia mais de anos que morava na rua e consumia maconha e álcool há uns 13 anos. Um dia eu acordei de madrugada, todo molhado de chuva. Tava com meu corpo encaroçado de tanto levar ferrada de carapanã. E uma prostituta com que eu dormia, me disse que aquilo não era vida pra gente não. Ela tinha idade pra ser minha filha. Ela me disse uma coisa que eu nunca esqueci. Tinha gente querendo me matar por causa de dívidas de drogas ela me perguntou se minha vida valia alguma coisa. Eu fiquei com aquilo na cabeça.
Foi fácil buscar ajuda?
Não. Eu não conseguia aceitar que tava viciado. Eu Fui gerente, comerciante, ajudante de pedreiro, carpinteiro, mas não aceitava aquilo. Lembro que no dia 30 de setembro de 2004 eu sonhei com a minha mulher e meus filhos e acordei decidido a buscar ajuda. Na época, estavam construindo uma parte da penitencia feminina, eu pedi ajuda lá. Supliquei que me dessem trabalho até de carregar tijolo. Trabalhei lá e fui pro Alcoólicos Anônimos (AA). Fui me conscientizando aos poucos da minha condição e deixando a cachaça e depois a maconha. Pedi trabalho na escola Nilton Balieiro e arranjei um lugar pra ficar. Tentei manter contato com a minha família, mas eles não acreditavam em mim. Fui buscar ajuda em vários lugares até que levei o tratamento a sério em 2004.
Como o senhor define a sua história?
Uma tragédia. Eu não olho o que aconteceu lá atrás e nem o quanto fiz minha família sofrer. Mas tudo que aconteceu antes de 2004 foi um desastre. Estou há 13 anos livre da droga e digo, só cheguei aqui hoje por causa da ajuda dos outros.
O que mais lhe ajudou a se manter firme sem recaídas ?
A coisa que mais me ajudou a chegar aqui foi o pensamento. Eu me conscientizar que precisava de ajuda. Comecei a ler muito e mergulhei na leitura sobre o que o vício químico faz com o nosso corpo. Em 2011 conheci o Caps, continuei meu tratamento aqui e passo longe de bebida até hoje.
Qual a lição de tudo isso?
Quem está nas drogas tem jeito. Quase ninguém acredita nisso, mas tem jeito sim. Todo mundo merece uma oportunidade. Deus me ajudou muito, mas consegui chegar aqui com a ajuda de médicos, psicólogos e assistentes sociais que acreditaram que eu tinha jeito. Que eu podia mudar. Hoje sou voluntário aqui e eu digo a gente se coloca nessa situação e pode sair dela, sim. Eu aprendi isso.