Ágora, coluna de JÚLIO MIRAGAIA
Os covardes assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes, no último dia 14, trouxeram para a pauta das redes sociais um acalorado debate sobre o significado de direitos humanos.
A ampla maioria dos internautas e suas declarações de comoção e solidariedade com o corrido, somado com o fator “rua e mobilização ativados” produziram uma inversão na narrativa que há anos transborda no Whatsapp e Facebook: que direitos humanos serve para defender bandido.
Os dados apurados por uma pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Dapp) reforçam que houve ampla solidariedade com as vítimas do caso. Segundo o levantamento, comentários críticos a Marielle representavam apenas 7% do total de menções nos últimos dias. Já o número de menções de luto e trajetória de Marielle respondeu por 88% do debate.
Creio que a mudança do ponto de vista se deu por um fator além da comoção: decidimos ir a fundo ao debate, em meio aos que tentaram desqualificar a vereadora com fake news e uma retórica de que a mesma defendia bandidos e era “dos direitos humanos”. A sociedade decidiu realmente debater o tema, em que pese a precariedade que espaços como uma rede social impõem para a discussão. Os editoriais dos principais meios de comunicação do país apresentaram para o público de forma lúdica o conceito de direitos humanos.
Claro, como sempre, houve resistência de um setor conservador que enxerga apenas mais violência como solução para a violência. Mas ficou no ar o clima de que os argumentos contrários sobre os direitos humanos foram esvaziados. O constrangimento, o silêncio de um certo presidenciável e a busca diária de reacionários por novos argumentos raivosos que não ganham eco dão provas de que algo mudou.
Começa a ficar claro que direitos humanos são o que dizem ser. Direitos fundamentais estabelecidos para que a humanidade tenha acesso ao mínimo de dignidade. Direito à educação, à segurança, à moradia, à creche, à inclusão. Eram por essas e outras pautas que a vereadora Marielle Franco lutava.
O senso comum associou equivocadamente, do alto de um desvario, esses direitos com a violência e a perpetuação da impunidade. Esses são problemas realmente existentes, graves e que precisam ser combatidos, mas a solução é visível que não é acabar com os direitos humanos, muito menos com seus ativistas que são os que mais lutam para uma mudança radical desse quadro.
É um argumento tão irracional o combate aos direitos humanos que se fizermos uma simples reflexão vamos verificar que em lugar nenhum do mundo foi estabelecido oficialmente o fim dos direitos humanos. Pelo contrário, onde há mais investimentos sociais é onde há menos violência. É uma questão óbvia se você olhar para países europeus com elevados indicadores sociais. É por aí que o debate deveria passar e não passava diante de uma “verdade absoluta” que “direitos humano é coisa pra bandido”. Mas o turvo horizonte de ódio começou a se dissipar com a realidade, felizmente.
Espero que possamos elevar o debate, pois 2018 é ano da eleição de novos governantes e segurança pública e investimentos sociais são assuntos que não podem ser tratados de forma simples e irresponsável. É preciso que a sociedade debata e apresente propostas concretas para que as coisas melhorem. Como diria a personagem de Henfil, Graúna, “tô vendo uma esperança”.