Por RICARDO FALCÃO, vice-presidente Mundial da Praticagem
Santana, assim como em Santos, Paranaguá e Itajaí, deixou que a cidade fosse construída no entorno de seus terminais. Esta falta de planejamento, no passado, não inviabiliza a sua utilização, mas torna muito onerosa certas operações, como a de contêineres, por exemplo. Haverá uma eterna disputa entre o dia-a-dia de uma cidade e a operação do setor que explora o porto.
A utilização da CDSA (Companhia Docas de Santana) para cavaco e para combustíveis é uma realidade já viável, desde que não precisemos aumentar nem o tamanho dos navios, nem o calado. As profundidades após o terminal de cavaco são de 12 metros, o que faria com que um navio que operasse com mais calado, além do que ele opera hoje, tocasse no fundo, estando atracado.
Os dois terminais da companhia foram planejados para navios na faixa de 200 metros, sendo que o mais antigo é grudado em um barranco e em um morro, próximos de onde fica a proa (parte da frente) do navio. A conclusão é: para a CDSA crescer, o porto precisaria estar construído cerca de 50 metros mais na direção da água, ficando profundo, e com um novo desenho, o que permitiria navios maiores.
Contudo, é o tamanho utilizado para as cargas que ele hoje opera o que torna qualquer discussão à respeito de sua ampliação uma questão de definir a demanda de uma carga específica.
Já o nosso antigo porto de minério (Icomi e Zamin) está localizado em uma área cujas antigas batimetrias, que são os indicadores de profundidade, nos permitiam calados profundos, na faixa de 20 metros, caso fosse possível passar pela Barra Norte (abordarei esta questão no futuro). Mas, a sua reconstrução é viável do ponto de vista comercial?
Viabilidade
Segundo números da VALE, em sua página na internet, o Brasil exportou, no primeiro semestre de 2017, 183,9 milhões de toneladas de minério de ferro. Desse total, 73,4 milhões foram pelo porto de São Luis no Maranhão, seguido pelo porto de Vitória, no Espírito Santo, com 49,99 milhões; e pelo porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, com 49,98 milhões de toneladas.
E esse minério foi vendido principalmente para China, com 105,4 milhões de toneladas, seguido pela Malásia e Japão, com 11,8 milhões e 11,4 milhões de toneladas, respectivamente.
Quando olhamos os números de exportação do minério pelo Amapá, vemos em 2008 que a ANGLO produziu 1,1 milhão de toneladas. Em 2009, foram 1,2 milhão, e então declarava que a capacidade do “sistema Amapá” era de 4,5 milhões de toneladas por ano, com uma projeção máxima de 6,5 milhões de toneladas anuais.
Nos últimos anos de operação do terminal da Anglo, em 2011/2012, recebíamos 15 navios do tipo Panamax por mês, cada um carregando cerca de 55 mil toneladas. Com isso, tivemos um pico de 4,8 milhões de toneladas transportadas por ano.
Só que, ao nos depararmos com os números da venda para a ZAMIN, podemos entender que o nosso potencial é de 200 milhões de toneladas de minério de ferro.
Declínio
Em termos de mercado, a tonelada do minério de ferro era vendida a US$ 190 em janeiro de 2011, mas caiu bruscamente para patamares de US$ 40 em janeiro de 2016, e em 30 de janeiro de 2018 estava em US$ 72,97. A queda foi de 61,6% em relação ao maior valor alcançado.
A VALE produziu, em 2017, cerca de 22 milhões de toneladas somente no seu complexo S11D Eliezer Batista, no Maranhão, com expectativa de atingir de 70 a 80 milhões de toneladas em 2019.
Com pesados investimentos feitos, este complexo permitirá à VALE reduzir o seu custo de produção em 47% em relação ao atual, chegando a US$ 7,7 dólares por tonelada.
Esses números nos apontam uma realidade do tipo Davi e Golias comparando-se o Amapá com o Maranhão. Quando pensamos em disputar no minério, significaria um investimento muito grande de reconstrução da nossa ferrovia, do nosso porto e de aquisição de maquinário como shiploader (carregador de navios) bem mais modernos.
E esta conta somente fecha quando há um retorno significativo em um prazo aceitável. O que quero dizer é que não me parece crível vendermos minério mais caro do que Maranhão, Espírito Santo e Rio de Janeiro e, portanto, ter uma margem pequena de lucro quando comparado com projetos solidificados e já em funcionamento, como a VALE.
Contudo, não estou falando em perder as esperanças. A ideia que pode vir a nos colocar no mapa das trocas comerciais parte do princípio de agregar valor ao que temos.
Possuímos ferro, manganês e energia elétrica; o que precisamos é de uma siderúrgica. A cada 1,7 ou 1,8 tonelada de minério que chega na China a 74 dólares/ton, compramos uma tonelada de aço a 740 dólares, além do frete para trazê-lo.
Ao termos indústria de transformação aqui no Amapá, que é a metalurgia, estaremos falando em transformar nossos minérios em ferro gusa, ferroligas, aço, tubos e outros beneficiamentos que servirão ao setor automotivo, de bens de capital, de máquinas e equipamentos (inclusive agrícolas), construção civil, utilidades domésticas, embalagens e recipientes e para fundição.
As possibilidades são bem interessantes, pois no processo de redução, o ferro se separa do oxigênio (gerando ferro gusa em estado líquido) e de impurezas como calcário e sílica, a escória utilizada na fabricação de cimento.
A nossa discussão deveria estar em como atrair grupos interessados em termos um siderúrgica que utilize os mais modernos sistemas de produção, respeitando-se as questões de preservação ambiental e de sustentabilidade.
Aí passaríamos a competir com a gigantesca China só que utilizando os minérios disponíveis dentro de nossas terras. Podemos vender aço e outros produtos dentro do nosso próprio mercado consumidor brasileiro num patamar de valorização que vai atrair empresas.
Como consequência teríamos impostos, empregos gerados na mineração, no transporte ferroviário, na indústria siderúrgica e na venda de produtos refinados. Isso não é reinventar a roda. É agregar valor ao que já temos. Simples, assim.
Até a semana que vem!