ABRAÃO TRANI DE ALMEIDA, delegado de polícia
Um dia desses me peguei assistindo um programa televisivo que tinha como tema do dia debater os problemas da segurança pública.
Uma mesa com renomados especialistas no assunto foi formada e estes buscavam esclarecer o motivo da crise na segurança pública nacional. Isso em apenas duas horas!
Minha primeira reação foi achar engraçada a audácia de alguém imaginar que em apenas algumas horas toda a problemática vivenciada pudesse ser esplanada e quiçá alguma ideia brilhante pudesse emergir.
Longe de tamanha pretensão, logo em seguida, passei a tecer as primeiras linhas do presente artigo.
Ciente de que o assunto é deveras complexo, trago à discussão apenas um dos vários obstáculos enfrentados hodiernamente: a participação popular no esclarecimento dos crimes, na verdade, a falta dela.
Não raramente, agentes da segurança pública, no exercício de sua função, ouvem em especial de testemunhas a célebre frase “eu não queria me envolver”.
Algo que inicialmente causa espanto, pois geralmente é precedida pelo apontamento do responsável pelo crime, bem como do complemento deste estar sempre “aprontando” na comunidade.
Mas o que levaria alguém que, ciente de que determinado infrator é acostumado a assim agir e até mesmo já tendo sido vítima deste, não querer se envolver?
Ao meu ver, dois são os principais motivos de tamanha elisão social. O primeiro é a crença de que registrar uma ocorrência não tem qualquer consequência, é apenas “perda de tempo”.
Nesse caso, falha da polícia investigativa, ou seja, das polícias civis e federal, pois a resolução dos delitos perpetrados é atribuição desta.
Outro motivo para inação da comunidade é a sensação de insegurança. A ausência de policiamento ostensivo, desta vez de atribuição da polícia militar, é outro fator que faz o lado da balança da impunidade pesar mais.
Na realidade vivenciada em nosso Estado, toda comunidade (entenda bairro, vila, travessa, passarela, etc) possui um ou alguns infratores conhecidos e conhecedores da vizinhança que vitimiza.
Diante disso, não me parece razoável exigir uma postura participativa da comunidade quando o infrator é morador desta, tem ciência contra quem cometeu o crime (e assim sabe também quem foi o responsável por acionar a polícia) e não há policiamento suficiente para em tempo hábil coibir qualquer tentativa de represália.
Sendo assim, fica fácil perceber que priorizar uma instituição em detrimento da outra não fará lograr bom frutos em matéria de segurança pública, porquanto a Polícia Militar não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo e a complexidade do procedimento da polícia investigativa, bem como a ação criminal, demanda tempo, respondendo na maioria das vezes o suposto autor em liberdade.
O indicado é fornecer policiamento ostensivo suficiente para garantir a segurança da população a fim de que esta se sinta segura para comparecer à delegacia, e, assim, denunciar aquele grupo de infratores que existe em todo bairro brasileiro e que está sempre caminhando à margem da lei.
Claro que não podemos olvidar dos outros fatores, como a falta de estrutura policial e a leniência penal brasileira, que contribuem para essa descrença e consequente inação social, porém, como dito inicialmente, a intenção do presente artigo, diferente do programa televisivo, não é nem de longe esgotar o tema, mas sim, aguçar a mente dos leitores acerca do assunto.