JÚLIO MIRAGAIA
O escritor mineiro Sérgio Fantini esteve em Macapá na última semana ministrando uma oficina de criação literária, a convite do Sesc Amapá, através do projeto “Arte da Palavra”.
Natural de Belo Horizonte, aos 57 anos de idade, Fantini concedeu entrevista ao Portal SelesNafes.com e falou sobre sua obra, o projeto das oficinas e deu dicas aos jovens escritores e também a quem deseja desbravar pela primeira vez o universo da produção textual em prosa.
Bem humorado, ele recebeu a reportagem no fim da tarde da última sexta-feira (26), no hotel onde esteve hospedado, no Bairro do Santa Rita. Nosso diálogo iniciou motivado pelos comentários do escritor acerca do Estádio Glicério Marques, nas proximidades. Sérgio Fantini declarou se considerar um ex-amante do futebol, ex-torcedor do América Mineiro e recordou também ter sido ex-lateral da categoria dente-de-leite do Atlético Mineiro, nos anos 1970.
“Como quase tudo na sociedade brasileira, o futebol se tornou uma indústria de falácias e manipulação”, disse o autor.
A afirmação sobre o esporte favorito dos brasileiros dá pistas sobre um aguçado senso crítico sobre a realidade, a política e o cotidiano; temas tratados entre o concreto e a metáfora em seus contos e romances.
Confira.
O que deu pra conhecer durante a semana em Macapá? É a primeira vez que visita a cidade?
Conheci o calor de Macapá, que é diferente (risos). É minha primeira vez na Região Norte do país. Vou conhecer também Teresina [capital do Piauí], também pelo projeto Arte da Palavra, do Sesc. Acho maravilhoso conhecer pessoas e entender que essas pessoas também são meus irmãos. Sabe, nós somos uma mesma família de brasileiros que lutam, resistem e sobrevivem. Isso para mim é mais valoroso nessas viagens. Conheci um pouco das imediações do hotel, o Museu Sacaca, que eu vi em uma reportagem em um programa de tevê em Alegrete [Rio Grande do Sul], passeei um pouco pela beira do Rio Amazonas, que é outra fantasia pra gente que é do continente. O Amazonas e a floresta fazem parte do imaginário do brasileiro, ter visto a floresta do alto, cara, isso é lindo, uma emoção verdadeira. O rio é um mito, são mitos amazônicos pra gente.
Fale um pouco sobre projeto Arte da Palavra.
O projeto do Sesc, Arte da Palavra, merece aplausos. Faz o cruzamento de escritores de diferentes regiões. A minha experiência como escritor criado em Minas, trazer minhas referências pra cá e levar também as daqui, do Amapá. É bom pro escritor e pros participantes locais da oficina. Em todo o Brasil, são vários escritores fazendo oficinas e bate-papos e apresentações artísticas. O escritor é uma espécie de ferro-velho das coisas da vida, a gente pega materiais de todos os tipos, recicla, transforma, adequa à nossa forma de ver o mundo e repassa através da literatura. É isso que eu faço.
E sua obra, quando começou a escrever?
Eu comecei a escrever aos 11 anos, mas eu publiquei pela primeira vez em 1976. Foi um folhetim de literatura, que rendeu uns dez números, durante uns dois anos, com uns amigos. O primeiro livro em 1979, em mimeógrafo, na época da chamada “Geração Mimeógrafo”, da poesia independente, poesia marginal. O primeiro livro é de poemas. Então, publiquei, ano a ano, até 1985.
E o que leu?
Li Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, os modernistas, Maiakóvski, são algumas das influências mais marcantes, mas sempre li muito.
E quando evoluiu, ou progrediu, para a prosa?
Não considero evolução nem progressão ir para a prosa. São demandas diferentes. Comecei a escrever em prosa em 1985. Antes, eu escrevia mas, felizmente, eu tinha autocrítica para perceber que eram textos muito ruins, eram em crônicas, que é um gênero que eu adoro, mas era um texto mixuruca, eu era muito novo. Acho um gênero difícil, mas muito bom. Consegui escrever três contos em uma tacada, mandei pro concurso da universidade e eles foram classificados com menção honrosa. Então me animei. Aí, continuei até escrever o primeiro romance, em 1991, que lancei de forma independente.
Como é a relação com o mercado editorial?
Sempre preferi publicar de forma independente, por uma questão ideológica mesmo. Eu não sentia a necessidade do mercado. Sempre tive amigos publicados por editoras e nunca ouvi até hoje a declaração “amo minha editora”. Então para que eu vou entrar num negócio se os caras que são muito bons têm reclamação?! Algumas vezes que fui procurado, coloquei meus termos e não funcionou até que apareceu uma pequena editora de Natal [do Rio Grande do Norte], de autor, a Jovens Escribas. Aí fizemos quatro livros, publicados desde 2011. Sobre a questão do glamour, os escritores, principalmente os jovens, acham que é fundamental ser publicado por uma editora grande e é um engano, é o canto da sereia. O que o escritor tem que fazer é escrever.
Quais são suas publicações mais recentes?
Em junho, lancei um romance em versão artesanal que me deu muita satisfação. Agora, estou escrevendo outro. Espero terminar a primeira versão final dele, que é uma continuação do último, chamado “O Município de Tormenta”. O próximo é “Alma de Subúrbio”.
E sobre o que fala?
É uma fantasia política de uma cidade violenta, quase uma distopia, tem um evento político que muda a história. Vem agora um personagem de outros livros meus, pós-revolução. Ele chega para descobrir o que acontece em Tormenta. Chama-se Silas e tem um livro chamado “Silas”. Ele cai de pára-quedas em Tormenta e vai ver o que aconteceu. A história é essa, um cronista fica contando episódios de violência, doméstica, pessoal, familiar, policial, e vai montando um enredo que culmina num atentado revolucionário.
Qual mensagem você pode deixar para novos escritores?
Eu acho que todas as pessoas têm que ler e o jovem escritor tem que ler mais ainda. Não pode querer só ser visto, se quiser ser visto, coloca uma melancia no pescoço e vai para cima de um prédio. Agora, se quiser fazer uma obra literária tem que ler e consumir literatura. O estudante de medicina estuda toda a medicina, pratica milhões de testes antes de tocar no corpo humano, para qualquer coisa, como para por um termômetro. Por que o escritor tem que dizer “aprendi a escrever, vou escrever?” Tem que ler muito e aprender, saber o que já foi publicado, em que campo está entrando. Vai lendo e escrevendo, ser visto é bobagem. O que pode dar satisfação é a obra ser reconhecida. Literatura não tem nada com querer aparecer. Sua obra tem que ser lida e para ser lida tem que ser boa, tem que ser testada, faz um, faz dois, tenta. Sobre a internet, a visibilidade é legal, ela te dá um retorno rápido, mas eu não recomendo ninguém que faça um texto hoje e publique amanhã.