Patrimônio cultural do Brasil, Marabaixo perde para falta de união

Incentivadores dizem que faltam política pública e união entre as próprias comunidades de Marabaixo
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SELES NAFES

Foi mesmo um marco histórico. O conselho consultivo do Iphan decidiu por unanimidade, em 2018, que o Marabaixo passa a ser considerado patrimônio cultural do Brasil. Contudo, ainda é longo o caminho para o posto de produto turístico do Estado, como é o carimbó para o Pará e o frevo para Pernambuco.

A falta de políticas públicas, investimentos privados e da própria falta de união entre as comunidades afrodescendentes engessam a abrangência do Marabaixo, que tem potencial para ser muito mais do que apenas uma festa anual ou restrita às comunidades quilombolas.

Quando os membros do conselho do Iphan avaliaram que o Marabaixo funciona como afirmação cultural negra para o Brasil, e é uma referência “vivenciada e atualizada pelos amapaenses”, eles reconheceram o contexto histórico da origem do Marabaixo e o fato de ainda ser cultivado pelo povo.

No entanto, o Marabaixo pode ser muito mais do que é. Com um maior refinamento musical (sem abandonar a raiz), o Marabaixo poderia estar sendo executado nas rádios, assim como também já poderia ter dado origem a uma competição nos mesmos moldes do Festival de Samba Enredo do Carnaval, lembrando que no Marabaixo a canção é chamada de “ladrão”. Até a quadra junina tem uma competição que mobiliza jovens em todo o Estado, e já se fala até na construção de um “Quadrilhódromo”.

Nas portas de entrada de visitantes, o Porto de Santana e o Aeroporto de Macapá, não existe qualquer fotografia ou venda de produtos que lembrem que o Marabaixo é a maior expressão do Amapá.

Dançarinas de Marabaixo no Parque do Forte em raro momento de abrangência. Foto: André Silva/SN

Não existem bonés, camisetas, chaveiros e nem comercialização da gengibirra, como acontece com a cachaça de Abaetetuba (PA), que já começou até a ser exportada. A gengibirra, aliás, é servida apenas no Ciclo do Marabaixo e em garrafas plásticas de refrigerante, sem nenhum tipo de cuidado com a apresentação do produto. Um bom engarrafamento e um rótulo criativo agregariam mais valor e alavancariam as vendas.

O fato é que a exploração desses produtos poderia estar gerando renda para as comunidades que mantém a tradição viva. Mas o que há de errado?

União

Para a ex-secretária de Política para Afrodescentes do Estado do Amapá, Núbia Souza, falta ainda uma política pública clara para transformar o Marabaixo numa marca.

“Quando você chega no Pará a primeira coisa que se vê é a comida e a cultura. Quando você chega aqui no Amapá não consegue identificar qual é a cultura. (…) Parte do próprio povo daqui discrimina o Marabaixo, afirmando que só serve para rodar a saia e beber cachaça”, desabafa.

“O novo governo federal me parece que fará poucos investimentos nessas culturais, então precisamos saber como será isso aqui no Estado”, acrescenta.

Cerimônia do mastro no Ciclo do Marabaixo. Foto: Márcia do Carmo

Núbia Souza desabafa: muita gente diz que Marabaixo é apenas para rodar a saia e beber cachaça. Foto: Cássia Lima/SN

Carlos Piru: falta de união engessa o Marabaixo

O músico Carlos Pirú, que toca o projeto “Cantando Marabaixo nas Escolas”, acredita que, além da falta de política pública, a desunião entre as próprias comunidades que promovem o Marabaixo acaba impedindo a amplitude e a monetização dessa manifestação. Faltam harmonia e espírito de colaboração entre as comunidades e grupos de Marabaixo.

“Se cai uma folha é motivo de briga”, resume.

O reflexo desses conflitos gera resultados impactantes sobre o ápice do Marabaixo, que é o Encontro dos Tambores, realizado uma vez por ano na destruída sede da UNA, no Bairro do Laguinho. O evento, que vem numa descendente nos últimos sete anos, é o equivalente ao desfile das escolas de samba para o Carnaval, e o festival junino para as quadrilhas.

“É o maior evento de resistência da nossa cultura, mas está travado. É onde todo mundo se encontra para assistir a nossa maior expressão e a história do povo negro no Amapá. A falta de avanço não é culpa do poder público. Somos a única capital com Instituto de Igualdade Racial e o Estado com secretaria específica para o assunto. Os governadores e prefeitos gostam disso, a sociedade aprova e o Iphan vem agora e reconhece. Mas como podemos avançar sem uma relação de união e respeito?”, questiona Pirú.

Depois do reconhecimento do Iphan, pacificar as relações já seria o maior avanço. 

Foto de capa: Márcia do Carmo

Seles Nafes
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