ANDRÉ SILVA
Desde que apareceu no Brasil, em 1982 quando foi diagnosticado o primeiro caso, o HIV trouxe consigo uma carga pesada de preconceito e desrespeito ao portador do vírus. A causa principal de tudo isso é a falta de informação.
A personagem dessa história não quis ser identificada. Ela tem 40 anos e será chamada de Maria. A mulher sofreu a violência do preconceito na pele. Lembrou da ocasião que quase ela e a filha morrem apedrejadas em uma praça, em Macapá.
Mãe de 10 filhos, Maria descobriu que era portadora do vírus na oitava gestação. Ela conta que morou muito tempo na rua. Nessa época, se prostituía para consumir drogas. Entre uma relação e outra, acabou contraindo o vírus.
Lembrou que foi no dia em que quebrou o anonimato que o preconceito e as agressões começaram. Em certa ocasião, com a filha ainda bebê, foi apedrejada por outros moradores de rua com quem chegou a se relacionar e só não morreu devido a intervenção de desconhecidos.
O início
A história de Maria começou em Belém do Pará. Ela morava com a mãe, os irmãos e o pai, que era vigilante. Quando tinha seis anos, o pai ficou desempregado e logo vieram para o Amapá.
Chegando na capital amapaense, o pai se estabeleceu em uma casa que ficava localizada no centro comercial da cidade. Ainda criança, contou ter sido abusada por um tio. Aos 11 anos de idade, fugiu de casa e conseguiu voltar para Belém, onde passou a morar nas ruas do Ver-o-Peso.
Àquela altura, já usava cola de sapateiro e maconha. Aos 13 anos foi detida e ficou em recuperação na Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará, onde passou a ser violentada por um policial responsável da segurança dos internos naquela época.
“Mantinha relação com ele por carteira de cigarro. Aí, tive o primeiro filho. Na segunda gestação, tive gêmeos, mas um deles morreu porque eu usava muita droga, essa filha era de um diretor de escola. O meu terceiro, é filho de um dono de barco”, revela.
Os outros filhos também são fruto outras de relações diferentes. Durante os exames de pré-natal da oitava gravidez, durante um teste rápido de HIV foi que veio a notícia.
“Depois do teste, notei que tinha alguma coisa de errado com as enfermeiras. Ninguém me dizia nada. Assim que elas saíram da sala, liguei para minha família. Quando eles chegaram, perguntaram o que eu tinha. A assistente social simplesmente virou pra mim e disse, ‘olha, você tem Aids’”.
O que mais a incomodou naquela época foi o fato de não poder amamentar a filha. Foi quando ela se deparou com o serviço público oferecido a mães portadoras do HIV.
“Eu entrei em desespero. Como eu ia arrumar leite se naquela época a lata era caríssima? Chamei uma emissora de TV para pedir ajuda e eles me filmaram todinha. Filmaram a minha casa, a repórter falou o nome da minha filha… Como eu usava droga, me prostituía para conseguir minha droga… Eu tinha muitos parceiros e eles me viram na televisão. Quando eles me viram na rua, me apedrejaram. Eu saí correndo com minha filha no colo. Teve umas pessoas que diziam ‘não joga pedra nela’ (silêncio)”.
Uma das pedras ainda acertou a cabeça da criança e provocou uma grande ferida. A menina teve que passar por procedimento cirúrgico e pegar alguns pontos.
A causa
Depois de passar por muitas situações, há 17 anos, decidiu se engajar na luta por melhoria no serviço oferecido a mães com HIV. Entre um congresso e outro, uma conversa e outra, aos poucos, Maria foi deixando de usar as drogas. Conheceu a Associação de Mulheres Soropositivo do Amapá e passou a participar de congressos em todo o Brasil.
“Saía de noite passando por bares, distribuindo preservativo, mostrando para as meninas de como se prevenir. Às pessoas mais velhas, eu aconselhava a fazer exames e cuidar da saúde”.
Atualmente, ela ajuda mulheres soropositivo a acessarem direitos previstos em lei e pretende fundar uma outra associação. Segundo ela, falta leite para os filhos de mulheres soropositivo e transporte para pessoas que moram no interior e que precisam vir a capital pegar medicamento.
“Têm mulheres amamentado os filhos porque não conseguem o leite. Elas até desistem do tratamento, porque moram longe da capital”.
Fotos: André Silva/SN