Crônica, por SELES NAFES
Há alguns dias eu assisti a um vídeo que me abalou. E olha que nesses 27 anos de jornalismo eu já vi muita coisa. Abri o vídeo porque a imagem congelada no meu WhatsApp mostrava um prédio em chamas, com muita fumaça. Quando o vídeo carregou, fui tomado pelo terror. Tremi, de verdade.
Pessoas se jogavam do 5º andar do prédio tentando se salvar. Eu poderia ter fechado o vídeo, mas fui tragado pela curiosidade e pela torcida, afinal, eu queria ver pessoas se salvando. Queria ver o resgate acontecendo. Me perguntava: será que ninguém vai salvar essas pessoas? Para a minha decepção, não. Quase todas estavam saltando para a morte. Não havia nada embaixo para amortecer a queda delas no asfalto.
Milagrosamente, um rapaz conseguiu cair em pé no andar debaixo. Ele mesmo parecia estar surpreso. As poucas pessoas que se salvaram foram auxiliadas por ele, que imediatamente começou a ajudar as vítimas a descer para o andar inferior. Apenas três, pelo que me lembro.
Embaixo, na rua, caminhões do corpo de bombeiros e espectadores estavam inertes, catatônicos diante de todo aquele desespero e terror. De repente, uma criança de uns 3 anos é jogada pela mãe desesperada com as chamas e a fumaça negra e tóxica cada vez mais fortes. Foi o momento mais chocante.
Os espectadores gritaram de pavor ao ver o corpo de pequenino caindo de qualquer jeito. E eu, tremendo, não consegui mais ver o vídeo até o final. No total, assisti por quase 1 minuto o vídeo que tinha duração de uns 3 ou 4 minutos, não lembro.
Esse incêndio ocorreu no sábado passado (24), na Índia. Dezenas de pessoas morreram do lado de dentro, e ao se atirar da galeria comercial em chamas. Esse vídeo, pelo que percebi, estava em todos os grupos de WhatsApp que participo. São pelo menos uns 30 grupos, e olha que já saí de uns 20 este ano.
Dias antes, eu estava num grupo de WhatsApp composto por advogados, jornalistas e outros profissionais liberais quando alguém postou um vídeo de uma pessoa sendo cortada no peito. Em seguida, foi aberta como se fosse um frango sendo preparado para o almoço. A cena, claramente, ocorria dentro de uma cadeia.
Não consegui ver o resto. Preferi sair do grupo, que originalmente não tinha aquele propósito. Ali estavam pessoas com o intuito de debater notícias, polêmicas jurídicas e outros assuntos.
Renato Russo já dizia que a violência é fascinante. Por isso que uma cena de acidente de trânsito ou de crime atrai tanta gente. É o mesmo princípio que leva uma pessoa a compartilhar, de forma incansável, vídeos com os piores momentos da vida de outras pessoas. Aqui em Macapá não é diferente.
Já vi até uma mulher saindo em chamas de dentro de um carro que havia se envolvido em um acidente. Aquela mulher estava tentando sobreviver, mas alguém preferiu filmar a ajudar aquela pobre vítima suplicando por socorro e chorando de dor.
O mesmo fenômeno ocorreu com o acidente que vitimou o jornalista Ricardo Boechat, no início do ano. Testemunhas preferiram filmar, em vez de ajudar, com exceção de uma mulher que deixou o que estava fazendo para tentar socorrer o motorista do caminhão que se chocou contra o helicóptero do jornalista.
Alguns vídeos, como de crianças sendo surradas ou em situação de extremo abandono, eu até entendo que possuam uma pegada de denúncia, de indignação, e são úteis para chamar atenção para o problema.
Mas a maioria das imagens é compartilhada por pessoas que parecem sentir um prazer em distribuir em massa esse tipo de “entretenimento” mórbido. A explicação para esse fenômeno no cérebro eu deixo para os psicólogos.
A minha indignação com a falta de respeito pelo drama humano, eu deixo aqui.