O descendente de confederados que virou poeta em Oiapoque

O “poeta da fronteira” Marven Junius Franklin é o quinto entrevistado da série
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Por JÚLIO MIRAGAIA

Fotos: NATHAN ZAHLOUTH e arquivo pessoal

A série “Literatura do Amapá” do portal SelesNafes.com está de volta. Nosso quinto entrevistado é o poeta Marven Junius Franklin. Morador do município de Oiapoque, no norte do Estado, o autor de ” Rio Oiapoque in Blues” conversou com nossa equipe em uma manhã de sábado, no Museu Sacaca, em Macapá.

Das suas andanças na juventude, passando pelo uso de sua poesia como válvula de escape e também sobre sua experiência ao chegar ao extremo norte do país, o escritor contou de tudo um pouco. Confira.

Marven Junius Franklin, em entrevista ao SN no Museu Sacaca

Conte um pouco de sua trajetória na literatura.

A minha trajetória na literatura é recente. Sou paraense, de Santarém, e papai levou a gente para estudar em Belém onde cheguei a cursar economia na Universidade Federal do Pará e acabei abandonando por não me identificar. A partir desse momento saio a caminhar pelo mundo, literalmente. Fui mochileiro, andei pelo Brasil, América do Sul. Só não fui ao Estados Unidos e Europa, mas Bolívia, Peru, por exemplo, eu conheci bem. Essa minha trajetória poética tem muito desse conhecimento, dessa vivência nas andanças pelo mundo.

Depois de nove anos, percorrendo vários lugares, eu fui para Fortaleza a convite de minha irmã preocupada com a minha vida “sem sentido” e logo segui para Oiapoque. São só 5 anos de produção literária de fato, no Amapá, até porque não tive tempo para a literatura, pois a vida de mochileiro não deixa muita brecha para a produção. Foi em Oiapoque que comecei a fazer pequenos textos relacionado ao cotidiano e a paisagem que me fascina. Me deparei com uma realidade atípica.  Viver em Oiapoque não é fácil e para mim, vindo de uma metrópole, o impacto foi enorme. Um lugar pequeno, no meio da floresta amazônica. Nossa, foi bem difícil! Foi em 2003 que cheguei em Oiapoque. Lembro da cidade nublada…uma chuva persistente, no inverno. Pensei em voltar na mesma pisada, mas pensei: essa oportunidade é para minha vida. Essa experiência pessoal e emocional com certeza iria influenciar minha literatura. Um nevoeiro que paira constantemente sobre a cidade foi o primeiro impacto. O engraçado é que a inspiração para o nome do meu primeiro livro, surge quando piso em Oiapoque. Ao descer do ônibus, eu ouvi um blues tocando em uma baiuca e isso por si só me causou um certo estranhamento, achei surreal. Mas foi na alvorada, quando a cidade despertava para a sua dura realidade, que tive o primeiro choque…a fascinação. Notei que o rio Oiapoque é azul entre seis e sete da manhã. Por isso o livro leva blues em seu título. Oiapoque é poético!

Lançamento de Rio Oiapoque in Blues, no Sesc Belém

A vivência no norte do Amapá fez você “parir” sua literatura?

Eu já escrevo desde criança, mas levar a sério foi quando desembarquei em Oiapoque… seu rio, seu cotidiano. Eu morava em um hotel que a minha irmã mantém na cidade e que fica de frente ao rio. Via o rio amanhecendo e anoitecendo e aquele pôr do sol melancólico para mim. Lembro de um grande pintor, Edvard Munch, autor da tela “O Grito”, ele se deparou com um pôr do sol em Oslo e sentiu exatamente o que eu senti quando cheguei em Oiapoque. Quando dava 17h eu me trancava no quarto pois o pôr do sol era deveras angustiante – eu tinha medo dele, justamente pelo isolamento que vivia na época. Então comecei a escrever. Produzia muito e jogava dentro de uma caixa. Aí surge a minha companheira que começou a juntar e organizar pequenos fragmentos que eu escrevia e me incentivou a usar a literatura como uma forma de refúgio, espécie de catarse e driblar a ansiedade.  

E a leitura, como entra em sua vida?

Foi através de meu pai e meu irmão. Papai comprou uma coleção chamada “Tesouro da Juventude” e deixava estrategicamente na sala de nossa casa. Eu tenho até um poema que fala disso. A gente consumia aquilo. A coleção tratava da literatura universal, e de todos os assuntos. Então ali comecei a ler poemas. Já mais velho, meu irmão já escrevia e comprava livros. Ele montou uma bibliotecazinha na casa dele e eu o visitava constantemente. Tinha entre 16 e 17 anos.

“Literatura é libertação”, diz o “poeta da fronteira”

Sua família tem origem norte-americana, não é? Como vieram parar no Brasil?

Minha família veio após a “Guerra da Secessão” americana, quando o Norte declarou guerra ao Sul. O Sul perdeu. A alternativa era ir embora. D. Pedro ofereceu terras para essas famílias em Niterói, Rio de Janeiro, Americana e Santa Bárbara do Oeste. A nossa foi para Santarém com outras famílias confederadas. Só que eles pensaram que poderiam plantar algodão, mas lamentavelmente a terra não era boa para essa cultura, Ficaram em uma situação bem ruim. Só algumas famílias conseguiriam prosperar… se manter. A nossa família não. Uns voltaram aos Estados Unidos e a família do papai ficou. Depois os dois irmãos de meu pai foram para os EUA. O papai teve a oportunidade, mas ele já era casado e acabou ficando.

Como você se relaciona com a poesia beat?

Meu irmão começou a ler poetas do movimento beat: Kerouac, Ginsberg e outros. O mano bebeu dessa fonte e passou para mim. Charles Bukowski também é outro poeta que tem uma influência através da poesia livre, sem métrica, sem nada. Eu não consigo fazer nada que envolva rima, eu sou um poeta da poesia livre. Inclusive, depois que eu comecei a ler Drummond, justifiquei essa minha literatura… esse estilo.

No Rio Oiapoque. Fonte de inspiração

Por que escrever e ler poesia hoje?

No meu caso, é uma forma de libertação. Como eu sou extremamente ansioso e faço terapia, acaba sendo uma válvula de escape. Inclusive, certa vez, mostrei um texto ao médico, ele fez uma cara estranha. Perguntei se era para parar de escrever, ele disse que não, que eu vomito o que eu sinto. Então minha poesia é esse vômito. O que você ler sou eu. Não tem nada ali que seja ficção. Quase é claro. Como a Lara Urtizig fala, é só ficção no contexto de Oiapoque. Pois ela diz que eu consigo ver girassóis em cada esquina de Oiapoque, imagina a ironia. É uma metáfora.

Da vivência em Oiapoque, produção poética começou a ganhar vida

As pessoas precisam fazer e ler poesia, pois as ajudariam a absorver a realidade da vida… o ser humano necessita de generosas doses de literatura em seu dia a dia. O nosso mundo é angustiante e está acontecendo um paradoxo, pois as pessoas estão lendo menos.  Em países que tem a tradição de leitura as pessoas estão ali tomando um cafezinho, lendo seu livro tranquilas e o mundo está acontecendo.

Você falou como surgiu o livro, mas como ele se desenvolveu até a publicação?

Esse livro tem um ano que foi lançado, mas ele tem 10 anos de pequenos fragmentos escritos durante minhas viagens. Talvez se um dia eu for lançar outro livro e perguntarem qual o mais importante, direi que é o Rio Oiapoque [in blues], por todo o contexto que o envolve. O livro é composto por três capítulos. O primeiro chamado “Solidão e receio”. Eu tinha medo de andar nas ruas em Oiapoque por essa insegurança de viver ali, numa fronteira sem estrutura e longe da família. Um certo medo saudável, pela chegada do pôr do sol, por exemplo, ao entardecer. O fim da tarde chegava e eu me recolhia e só saía à noite. O outro capitulo “Canto e sucessão dos dias” trata da vida em uma realidade nova para mim. Sinto e vivo as coisas que acontecem na cidade. Inclusive tem a história de um árabe que vivia em Oiapoque e como a cidade não produzia nada, vinha de fora, ele dizia assim: vai levar o charque e o feijão? A pessoa dizia: não, só o feijão. Ele dizia: não, então não tem, não vendo. Só comprava o feijão se levasse charque, só levava o café se levasse o açúcar. Essas cosias são citadas. Outro capitulo é “Abstrações e lirismo”. O lirismo que envolve Oiapoque, que as pessoas não veem, mas que eu consigo ver nitidamente. Digo sempre que Oiapoque é a minha Macondo.

Uma vez eu estava no programa do Rostan, no “Arte das Artes” e o professor Munhoz perguntou para mim assim: poeta, eu li um poema que cita girassóis, mas tem girassóis em Oiapoque? Eu respondi que não e disse que queria que em cada esquina, em cada alpendre, houvessem girassóis.

Livro de poemas fala sobre experiências do autor com a natureza no entorno do Rio Oiapoque. Foto: Flávio Cavalcante/divulgação

O que é poesia para o Marven Junius Franklin?

Um amigo me disse, certa vez, que a poesia para mim é como respirar. E é isso, uma válvula de escape que me ajuda muito. Esses cinco anos eu produzi muito. Eu tenho em meu HD, material para lançar cinco, seis livros com umas cem poesias cada um. Produzo rápido. Até me culpo, pois se faço alguma coisa eu jogo nas redes sociais. Penso que  posso chocar as pessoas toda hora com poemas diários, mas por outro lado penso que a literatura tem que circular. A internet democratizou a literatura. Tudo que me traga alegria ou que me cause angústia gera textos poéticos. Minha poesia serve para pedir algo, para gritar. O grito de uma fronteira longínqua, abandonada pelo poder público.

Com produção literária intensa, Marven prepara novas obras

Estamos encerrando, suas considerações finais?

Quero agradecer a você e os meus confrades da literatura. Tive uma grande acolhida por todos os escritores de Macapá, que demonstram uma grande consideração por mim e pelo meu trabalho. Gratidão a todos que fazem parte da Associação Literária do Estado do Amapá. Ao Fernando Canto, que foi de uma generosidade imensa ao falar do meu livro. A Lara Utzig que escreveu sua visão de academia sobre o meu livro. A Natália Ribeiro, minha esposa, muito importante para mim ao me apresentar a riquíssima cultura amapaense. 

Perfil do escritor

Marven Junius Franklin, nasceu em Santarém, no Estado do Pará, é o quinto de seis irmãos. Ele não tem filhos e vive com a companheira, Natalina Ribeiro, que é musicista e professora.

Ao ser perguntado sobre leituras, o autor responde prontamente suas preferências: beatnicks (movimento literário norte-americano dos anos 1950), Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade.

Paraense e descendente de confederados norte-americanos, Marven declara paixão pela cultura amapaense

“Eu leio muito um escritor tcheco chamado Milan Kundera, de ‘A insustentável leveza do ser’, e ‘O livro do riso e do esquecimento’. Eu adoro e leio muito. Sempre tenho um dele ali. Esse cara tem uma influência muito grande no meu texto. ‘Pé na estrada’, de Jack Kerouac, eu adoro porque em um certo momento da vida fui eu nessa busca por algo que até hoje não identifiquei”, diz Marven.

Sobre a literatura local, ele também comenta.

“Aqui em Macapá eu faço questão de dizer que eu leio muito Fernando Canto e a Lulih Rojanski, escritores diferenciados dentro da literatura produzida na Amazônia”, declarou.

Marven Junius Franklin está produzindo dois livros. Um na mesma linha de Rio Oiapoque [in blues] chamado “Martinica e outros poemas de fronteira” e um livro infantil, que ele caracteriza como autobiográfico. Na música, tem um projeto em desenvolvimento chamado “Beatos Cabanos”, com o cantor e compositor Osmar Junior e o poeta Bruno Muniz. 

*Júlio Miragaia (Júlio Ricardo Silva de Araújo) é jornalista.

Seles Nafes
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