Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
Era uma manhã de domingo, dia 7 de janeiro de 2018, quando a vida de Airton Ferreira Gonçalves Neto mudou para sempre. Até hoje não recorda de detalhes, mas lembra de acordar no Hospital de Emergência de Macapá e ser informado, ainda um pouco confuso, que havia fraturado a coluna.
Ele havia subido no telhado da sua casa, na zona norte da cidade, para fazer uma limpeza e caiu. Foi assim que começou a nova fase da vida de Airton Neto, guarda-parque formado em Gestão Ambiental, especializado em Educação Ambiental e mestrando em áreas protegidas no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM).
Airton está paralítico. Perdeu os movimentos da cintura para baixo. Sua condição não é irreversível, mas é impossível afirmar se a recuperação será total.
Via crucis no Detran
Habilitado nas categorias A e D – o que lhe permite dirigir de motocicletas até micro-ônibus, caminhões e similares – uma das lutas na reabilitação social de Airton tem sido fazer com que o Detran adeque sua carteira, colocando no documento as observações necessárias de que ele conduz um veículo adaptado de acordo com a limitação motora, conforme exige a legislação.
Para isso, segundo as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), Aírton deve dirigir veículos adaptados e automáticos, ou seja, sem embreagem, com acelerador e freio controlados pelas mãos. Mas não tem sido fácil.
“Eu fui no Super Fácil para ver como dar entrada e disse que queria ver como colocar as letras e as observações na minha carteira para voltar a dirigir. Me perguntaram se eu queria tirar uma nova habilitação. Disse que não, e mostrei a minha carteira. ‘Então, você quer adicionar uma nova categoria?’, me perguntaram. Respondi que queria acrescentar no campo observação as adaptações do veículo que eu vou conduzir. ‘Então você quer tirar a habilitação’, me perguntaram novamente. Era cômico de tão trágico”, desabafou.
A maratona com o Detran teve início em outubro de 2018, tão logo Airton chegou de Brasília, onde iniciou um tratamento de reabilitação. Três meses depois de peregrinações no Super Fácil e no Detran, ele encontrou um funcionário que lhe deu o atendimento devido.
O servidor encaminhou Airton para perícia em uma junta médica. Mas, então, veio o novo obstáculo. A junta médica informou que ele poderia apenas dirigir carros, ou seja, ter uma carteira de categoria B. No final das contas, o Detran aceitou lhe dar a categoria A, apenas para motos.
Emissão
Entretanto, quando foi buscar a carteira, nova decepção. O documento não estava pronto porque Aírton não tinha recebido formalmente o parecer da junta médica. Foi atrás da nova exigência e quando recebeu o laudo veio outra surpresa desagradável: seri necessário fazer 20 horas de auto escola de cada categoria e fazer novas provas práticas. Foi a hora que a paciência do cadeirante chegou ao limite e ele buscou o Ministério Público.
Em audiência no mês de agosto, o MP provou ao Detran que a cobrança de novas aulas práticas e testes era ilegal. O órgão de trânsito recuou. Mas a via crucis não terminou daquela audiência. O Detran agora exige que o cadeirante leve os veículos adaptados para realizar as provas (uma moto, um carro, caminhonetes e micro-ônibus).
O problema é que a Lei exige que a pessoa com deficiência só pode comprar os veículos adaptados se mostrar a Carteira Nacional de Habilitação com as devidas observações, que ele luta para serem incluídas na carteira.
Superação e novo amor
Apesar de tudo, Airton não se deixou abater. Pai de três filhos de relacionamentos anteriores, após o acidente ele começou um namoro. Adriana Sabrina Lau dos Santos era uma amiga, fonte de motivação para Airton. A motivação virou paixão e Adriana virou namorada. É o amor que nasceu força de vontade de ver Aírton superar as dificuldades, conta ela.
“A gente já tinha trabalhado junto e eu fiquei muito impactada com o acidente dele. Fiquei abalada, uma pessoa estava bem em um dia e depois aconteceu aquilo. Comecei a visitá-lo e no começo ele não me reconhecia, às vezes ia e voltava (a memória). Um dia, a mãe dele pediu ajuda e eu comecei a dirigir pra ele, pra ajudar resolver as coisas. Então a gente foi se aproximando e quando viu, já estávamos juntos”, contou Adriana.
Adriana conta que não faltou quem lhe chamasse de “louca” por estar iniciando um relacionamento sério com uma pessoa com uma deficiência.
“Mas eu me apaixonei pelo o que ele é, de fato, e como encara os desafios da vida. Ele me ensina a cada dia que eu devo lutar. Eu penso: ‘eu tô em pé, eu tô andando, e ele na cadeira de rodas faz tanta coisa que nós andantes não fazemos’. Ele é um exemplo mesmo”, orgulha-se.
Adriana acredita que ele sempre estará com um sorriso no rosto, apesar das dificuldades.