Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
A audiência organizada esta semana pela Defensoria Pública Estadual (DPE-AP) sobre violência obstétrica no Amapá foi marcada por relatos chocantes de mulheres e mães, que utilizaram os microfones para revelar os momentos sofríveis a que foram submetidas na hora de dar à luz, nas redes pública e privada de saúde do Amapá.
O evento ocorreu na última terça-feira (18), na sede do órgão, em Macapá. Um dos casos, dentre vários que chamaram a atenção, foi denunciado por Jucicleide de Souza Pinheiro, de 36 anos.
Mãe de quatro filhos, estava grávida do quinto, com dois meses de gestação, quando procurou o posto de saúde, onde já fazia o pré-natal. Das 8 às 11 da manhã, ficou aguardando atendimento na unidade básica.
Depois das horas de espera, foi finalmente encaminhada ao Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), porque estava com sangramento. E ainda teria recebido uma “bronca” da médica plantonista por não estar com o exame que atestava a sua gravidez.
Jucicleide diz que não foi medicada e recebeu o pedido de ultrassonografia. Como não foi internada, não teria como fazer o exame no hospital, que é específico para quem está em internação. Sem dinheiro para pagar pelo teste, seguiu padecendo.
Somente no dia seguinte foi internada. Três dias depois, perdeu o filho. Na audiência disse se sentir pré-julgada, pois percebia que parte da equipe de saúde acreditava que ela estava em processo abortivo induzido – o que ela nega.
“Tenho certeza que erraram desde o primeiro atendimento. Quando me encaminharam, já era pra eu ter sido internada”, declarou Jucicleide, emocionada.
Outras violências
Os relatos foram diversos, e deram conta de que um bom atendimento nas redes pública e privada depende muito da sorte de se pegar uma equipe de profissionais capacitada e humanizada.
Exames do toque e a episiotomia (corte na região do períneo feito para aumentar a abertura vaginal e facilitar o parto) feitos sem o consentimento, e, às vezes, sem o conhecimento das mães, são alguns dos relatos mais comuns. Além disso, o julgamento social, a forma como são recebidas, são parte da violência que relataram.
A psicóloga Adriana Baldez Lima, do Ciranda Materna, grupo de apoio ao parto, gestação e maternidade, comentou.
“O que a gente percebe é que o problema [violência obstétrica] é estrutural. Machismo, racismo, classismo, porque as mulheres que estão no período de gestação estão mais vulneráveis, tem a carência de materiais, mas não é só isso. Você ouve coisas do tipo ´ano que vem você está aqui de novo, não reclama`, ‘esse é o pai do teu filho, ele é preto e tu é branca`, `fulano não pode te acompanhar, fez sozinha, fica sozinha` e outras coisas do tipo”, declarou a psicóloga.
DPE
A Defensoria Pública considerou o balanço desta primeira audiência positivo, pois conseguiu dar voz e fazer com que essas mulheres sejam ouvidas pelo Estado.
“Podemos produzir dados, identificar os casos e dar abertura de procedimentos para apuração. A partir desse debate, identificamos algumas questões, como a falta de ouvidoria própria no HMML, na porta de entrada para facilitar as denúncias, falta de um protocolo de atendimento, por isso, a maioria dos relatos falam das trocas de plantão, e a formação dos profissionais, que exige um trabalho maior”, avaliou a defensora pública Juliana Rodrigues.