Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
No extremo norte do país, no Estado do Amapá, município de Oiapoque, a 590 km da capital Macapá, a etnia indígena Palikur enfrenta o novo vírus confiando na sabedoria centenária da sua civilização.
Diversos chás, de vários “matos amargos” – como eles chamam as ervas –, são a base do tratamento, que é ingerido pelo menos quatro vezes ao dia. Além de consumir, é fundamental, dizem eles, tomar banho com as ervas, com o devido horário marcado.
O ritual necessita de disciplina. Pontualmente às 7h e às 14 horas, o banho é tomado pelo próprio paciente ou dado por outra pessoa.
Entre os matos amargos que são usados…
…há pelo menos um ingrediente e forma no preparo que não são revelados
Há a ressalva importante de que a água tem que estar morna. Aliás, o senhor Zildo Felício, vice-cacique, avisa ao povo branco.
“Tomar água gelada, ventilador, ar condicionado, se você estiver doente, vai ter dificuldade de se curar. Cuidado”, alerta o índio de 65 anos.
Caferana, jambú, limão e mel fazem parte da receita. Mas, há pelo menos um ingrediente e forma no preparo que não são revelados. É como se uma tradição fosse resguardada. A cada vez que a reportagem perguntava os componentes do remédio, eles apenas diziam “e outros matos”.
Pastor Manoelzinho: “Folha do limão pequeno, da tangerina, a caferana, mel e também gotas de andiroba, passar bastante no peito, dar banho, ir tirando aquela doença, aquele vírus”. Fotos: Marco Antônio P. Costa/SN
Contudo, a guarda do segredo não tem nada a ver com ganância. Eles oferecem o misterioso chá aos visitantes. Waldir Bittencourt, enfermeiro da Superintendência de Vigilância em Saúde (SVS) do Estado do Amapá, foi um dos que aceitou provar.
“Tem gosto de mato. Há algo de especial nesse povo, nas suas crenças e na forma como eles passaram por isso. Não estou reivindicando nenhuma espécie de xamãnismo, mas tem algo do conhecimento popular que temos que ter humildade e aprendermos a conhecer e reconhecer”, declarou Waldir.
Waldir Bittencourt: “Tem gosto de mato”
Após percorrer a aldeia Palikur, de residência em residência, baseados nas narrativas dos próprios indígenas, os técnicos de saúde do Amapá chegaram a conclusão que cerca de 80% da população do local já teve covid.
O indígena Manoel Hipólito Filho, conhecido como Seu Manoelzinho, revelou outros elementos do tratamento que os indígenas adotaram.
“Doença chegou e fizemos remédio pra passar rapidinho. Folha do limão pequeno, da tangerina, a caferana, mel e também gotas de andiroba, passar bastante no peito, dar banho, ir tirando aquela doença, aquele vírus”, contou Seu Manoelzinho, que também é pastor da única igreja de toda a aldeia, uma Assembleia de Deus.
Os Palikur
O povo Palikur é descendente do povo Arawake, cujas primeiras anotações e registros datam ainda do século XV por navegadores espanhóis, quando as terras que hoje constituem o Amapá eram motivo de contendas e motins armados, especialmente entre portugueses e franceses.
Indígenas sempre oferecem o misterioso chá aos visitantes
Esse povo vive em diversas aldeações, a maioria delas muito pequenas, na beira do Rio Urukawá, na bacia do Rio Uaçá, dentro de Terra Indígena (TI) homônima.
Sua principal fonte de renda é a venda de farinha mandioca, produzida em casas de farinha que são o espelho da organização familiar dos palikur.
Monogâmicos, o patriaca é responsável pela farinha, onde a linha de produção é montada a partir de filhos, filhas e os agregados, noras e genros. A esposa é responsável pelos afazeres domésticos.