Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
No próximo dia 12 irão completar dois anos do crime que chocou a sociedade macapaense e virou símbolo de luta contra o feminicídio no Amapá: o assassinato da policial militar cabo Emily Karine de Miranda Monteiro, morta a tiros em um Dia dos Pais, pelo namorado e também policial militar Kássio Mangas.
Apesar de estar preso desde a época do crime, quando confessou, ele ainda aguarda julgamento.
O Portal SelesNafes.com conversou com Aldineia Maria Braga de Miranda, 50 anos, mãe de Emily. Ela é pedagoga por formação, mas gosta mais de trabalhar como cuidadora de idosos. Aldineia Miranda contou como está sua luta por justiça, sobre o que pensa de Kássio e como a militância e a luta contra o feminicídio preenchem boa parte da sua vida.
Ela e outras ativistas de Macapá estão preparando uma programação para marcar o dia 12 e para juntar os familiares de mulheres vítimas de feminicídio no Amapá, no dia 15 de agosto.
Como não poderia ser diferente, ela ainda sente muita dor pela perda da filha e indignação pela maneira como Emily foi morta, dentro da sua casa e por uma pessoa que dizia amar a vítima. Acompanhe a entrevista:
Portal SelesNafes.com: O que a senhora fez com as coisas da Emily, o quarto dela?
Aldineia Miranda: Eu não entrei na casa depois do acontecido. Na verdade, eu entrei, uma vez só, mas já tinham passado uns dias do ocorrido, e as roupas, eu doei bastante roupa, porque na época, eu tenho assim, do ocorrido, do acontecido, – eu não gosto de falar outro nome -, então com certeza me davam muita “água batizada” [calmantes] e eu fiquei meio aérea. Eu fui tirando as roupas e a minha irmã que veio de Natal (RN), me ajudou muito nessa parte.
Não fui mais lá pra casa, porque eu morava lá, na Rio Grande do Norte [Bairro Pacoval, Macapá], morava na casa da minha mãe, em um apartamento, e aí foi demolido o apartamento. Minha mãe morava na casa na frente, morava minha tia em uma quitinete e ao lado morávamos eu e a Emily e a minha sobrinha.
SN: E ele (Kássio Mangas)?
AM: Ele tava lá, ele foi se chegando. Como a Emily sempre falava: “eu não casei, me casaram”. Ele foi chegando e foi ficando. Ele tava lá, tinham seis meses que ele estava definitivamente.
SN: A senhora o acolheu como um filho. A senhora já encontrou com ele alguma vez depois do ocorrido? Se encontrasse, teria vontade de fazer alguma pergunta?
AM: Com certeza. Eu o vi uma vez apenas, na audiência de custódia, só que ele entrou e saiu sem falar nada. Só que assim, às vezes dá vontade de encontrar e perguntar o porquê. E ele pode dar “n” respostas e não me convencer. Eu acho que nenhuma vai me convencer. Eu nunca vou aceitar o fato.
Mas assim, é o que vem assim na cabeça: por quê? Porque de não deixar viva. Como a gente se dava bem, se ele deixasse a minha filha viva, eu ia continuar gostando dele do mesmo jeito, do mesmo jeito. Só que hoje o sentimento mudou, foi a minha filha, a minha filha que foi tirada de mim, ela que eu não tenho mais.
Então, não tem como dizer assim “ah, eu tenho o mesmo sentimento”. Hoje o sentimento que eu tenho é que eu quero é justiça, só isso, que ele pague pelo o que ele fez. Também não digo que eu vou fazer justiça com as próprias mãos. Isso não. Quero só que ele pague pelo o que ele fez.
SN: Passaram-se dois anos, a senhora ainda pensa muito, sonha, a senhora conseguiu seguir a vida?
AM: A minha vida está parada. Porque eu espero por essa justiça, e até agora nada, então talvez tenha algum sentido, quando eu ver que realmente foi feita justiça e ele tá lá. Mas eu me preocupo muito hoje. Porque ele pode sair, para esperar o julgamento em liberdade. E uma das coisas que vem na minha cabeça é que pode fugir. Se não foi julgado até agora e ele foge, ninguém encontra mais.
SN: Como está a situação na justiça, ele vai a júri popular?
AM: Sim, mas só que até agora não foi nem marcado o julgamento.
SN: Após o acontecido, a luta por justiça e contra o feminicídio, acabou por ocupar um espaço na sua vida, não é?
AM: Sim. Hoje de manhã eu tive uma reunião no CRAM [Centro de Referência de Atendimento à Mulher], e nós estávamos falando sobre isso. Começa agora o “Agosto Lilás”, que dá ênfase na luta contra o feminicídio. E o nosso agosto lilás no Amapá começou como? Com um feminicídio! [uma referência à jovem Raiane Miranda de Almeida, assassinada pelo ex-namorado a facadas na madrugada do sábado (1º)].
Então, não é só agosto lilás, nós temos que ter esse tipo de prevenção, trabalhar essas questões, de amparo com a mulher, trabalhar o todo. Desde pequena, a criança tem que aprender a levar aquele sentimento de respeito.
Quando começou esse mês, começou a apertar. Na verdade, todo dia 12 fica mais difícil. Aí começou julho e esse tempo agora eu estava com ela, eu estava vivendo com ela. Ela voltou a trabalhar na sexta-feira e no domingo aconteceu. Quer dizer, a gente estava bem perto, bem próximas nesses últimos momentos.
Eu sei que minha filha não vai voltar, isso é nítido, só que o que eu percebo, vamos fazer algo para o dia 12, que tem a lei do dia de combate ao feminicídio, da deputada Cristina Almeida (PSB), mas eu sempre digo, eu não tenho vínculo partidário com ninguém. A minha bandeira é de luta hoje é muito mais.
Dia 12 eu vou fazer uma missa, fazer como eu fiz no ano passado, de arrecadar fundos, alimentos não perecíveis, materiais de higiene, para doar para a Casa da Hospitalidade e para o Lar Betânia em Santana.
E a carreata que estamos programando já é o ato unificado. Estamos juntando as outras famílias. A Kátia que era minha ex-cunhada [Ana Kátia Almeida da Silva, morta a tiros no dia 8 de julho de 2020 por um policial civil]. Infelizmente, vivemos na família tudo de novo. Ela já tinha se separado do meu irmão, mas toda a minha família amava ela. A minha sobrinha, fez 11 anos no outro dia. E a mãe dela faleceu semana passada [mãe da Ana Kátia], contraiu covid-19.
Então a gente vai fazer esse ato unificado, só falta terminarmos o percurso, decidirmos se realmente vai ser de manhã ou de tarde, e queremos que não seja apenas a família da Emily, não, são todas as famílias, são as mulheres que estão fazendo isso. Vamos entrar em contato com a família da Raiane, da professora que foi assassinada logo depois da Emily, então assim, queremos juntar o máximo de pessoas.
Sim, a militância apareceu na minha vida pela luta por justiça e também porque a Emily era assim, ela encarava e ajudava as pessoas, tanto como civil quanto como militar. Na semana em que aconteceu, poucos dias antes, ela foi até a uma delegacia para saber como ter medida protetiva, mas não era para ela, era para uma amiga que estava passando por esse problema, só que poucos dias depois ela foi vitimada.
SN: Algum objeto especial, algo que a senhora ainda guarda?
AM: Sim, aquela bandeira fica comigo no quarto. Os livros dela, que ela mais amava, eu doei mais de 300 para a biblioteca pública, ela amava ler. A farda [da PM], essa eu guardei.