Por RODRIGO ÍNDIO
Na canção “Prelúdio”, o saudoso cantor brasileiro Raul Seixas fala “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Os versos retratam bem parte de luta de uma amapaense e seus dois filhos, que recentemente passaram em 6 concursos públicos, somente estudando em casa.
Com infância difícil devido à pobreza e ao abandono do pai, os irmãos Josimar de Souza Júnnior, de 22 anos e Josimar de Souza Filho, de 24 anos, sempre foram determinados a oferecer uma vida melhor para sua “guerreira”, que nunca lhes deixou faltar moradia, alimento e amor. O estudo era a única forma da realização.
Como não tinham recursos para pagar cursinhos preparatórios, o jeito era estudar em casa, com livros doados ou comprados, e também com auxílio da internet.
A perseverança das noites e madrugadas de esforço não podia dar outro resultado: Josimar Júnnior passou nos concursos públicos da Polícia Militar do Amapá (2017), Instituto de Administração Penitenciária do Amapá – Iapen (2018), Tribunal de Justiça do Estado do Amapá – TJAP (Estágio de nível superior 2019) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019).
Já Josimar Filho passou nos concursos públicos da PM do Amapá (2017), PM de Tocantins (2018), Prefeitura de Macapá (2018), Iapen (2018), e IBGE (2019).
Atualmente, ambos estão no último semestre do Curso de Direito em faculdades particulares onde conseguiram bolsas integrais pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Os irmãos Josimar foram contratados e trabalham desde março de 2020 como Agentes Censitários no IBGE.
História de vida
Tudo começou na década de 1990, quando dona Cleide da Silveira, atualmente com 55 anos, ficou solteira e decidiu ir à luta pela família. Ela é mãe biológica de 7 filhos. Destes, um faleceu, 4 são concursados e 2 têm emprego fixo. O coração da amapaense é tão grande que ela ainda tem mais dois filhos de criação.
Ela conta que, por trás do simpático sorriso, existe uma pessoa que sempre foi “enjoada” com os filhos na cobrança pelos estudos, para que todos pudessem vencer.
“Moro sozinha com eles há mais de 20 anos e sobrevivemos do meu trabalho doméstico. Teve dificuldades, mas, graças a Deus, nunca passamos fome. Hoje eles estão colhendo os frutos do seu esforço e meu coração se enche de orgulho”, disse, emocionada.
Ela detalha que agora os filhos não querem mais nem que ela realize nenhum afazer em casa.
“Eles reclamam quando estou fazendo algo. Dizem que têm que fazer por mim. Eu fico toda feliz, mas eu gosto de fazer, então, a gente faz juntos, um ajudando o outro sempre”, brincou.
Escolhas profissionais
Júnnior escolheu atuar na PM do Amapá e está cumprindo a 4ª fase do processo, onde só restam mais duas etapas até o curso de formação. Logo depois vem a posse.
“Optei a PM por um sonho de fazer parte de uma instituição séria e honrada. Eu sabia desde criança que o caminho era o estudo. Via as pessoas da rua indo pelo caminho errado e o destino que tinham. Não queríamos isso, queríamos e queremos orgulhar nossa mãe e vencer na vida”, detalhou Josimar Júnnior.
Já Filho escolheu, pelo menos por enquanto, ser policial penal no Iapen. Ele também está aguardando as fases para seguir passo a passo a homologação do cargo, mas sonha em chegar ao posto de delegado.
“Depois que conseguimos entrar no IBGE já estamos trazendo alimento para dentro de casa, estamos reformando casa, ajudando nossa mãe com o fruto da dedicação, esforço e estudo que tem esse poder incrível, e vamos além, muito além”, garantiu.
Projeto Social
Além de estudiosos, os irmãos Josimar são atletas. Desde 2014, fazem parte do projeto ‘Nocauteando as drogas e finalizando a violência’, desenvolvido pelo 2° Batalhão da PM em Macapá que trabalha com a população de vulnerabilidade social na zona norte de Macapá.
Para o capitão Wanderson Pantoja, coordenador e professor do projeto social, o momento representa a concretização do objetivo que é formar campeões no esporte e na vida.
“Eles mesmos falam que quando entraram no projeto passaram a interagir e a ver que eram capazes, bastava acreditar e correr atrás. Ainda tenho o sonho de dizer: tenho dois alunos juízes de direito, e a gente vai trabalhar pra isso. E eles já me garantiram que posso esperar que mais conquistas virão”, lembra.
O professor e amigo, também é só orgulho.
“Pra mim, é uma satisfação muito grande ter esses dois como alunos, principalmente ver eles alcançando seus objetivos e mudar a situação da casa deles e dar uma vida digna para sua mãe, que é muito baralhadora. A conquista deles, é minha conquista”, orgulha-se.
Júnnior e Filho demonstram gratidão pelos ensinamentos passados pelo capitão Panda.
“Vendo a pessoa que ele é, nos inspirava a ser alguém melhor mesmo sendo pobres, usamos ele como espelho. Ele me fez fazer o concurso da PM, ponderando que o vitimismo não existe e que podemos tudo sendo um cidadão de bem e correndo atrás do que queremos. Devemos muito a seus ensinamentos, mudou nossa vida e espero que mude ainda de muitas pessoas”, finalizou ao agradecer, Júnnior.
Antes de sairmos da casa da família, os entrevistados nos garantiram que ainda nos encontraremos na posse dos dois.