Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
Aos 83 anos de idade, com consciência, saúde e vitalidade, José Figueredo Souza, o Savino, um dos fundadores do bloco de carnaval A Banda, afirma que em 2022, para compensar a falta do desfile deste ano por causa da pandemia de covid-19, o bloco pretende levar 250 mil brincantes às ruas de Macapá, confirmando ser o maior bloco de carnaval do norte do Brasil.
Savino recebeu a reportagem do Portal Seles Nafes em sua residência, no centro de Macapá, e contou que seria uma enorme contradição um bloco com as raízes democráticas e contestadoras como A Banda, sair este ano, desrespeitando a dor de famílias que perderam entes queridos e de tantas outras que se encontram com seus parentes lutando pela vida internados.
Já que não poderia falar do desfile deste ano, Savino aproveitou para contar uma pequena parte da história da Banda.
Contestação irreverente
Em uma Terça-Feira Gorda de carnaval, na sede do Amapá Clube, na Presidente Vargas, Centro de Macapá, estavam reunidos Savino e outros amigos, aproximadamente 15 pessoas, comemorando o carnaval quando Amujacy Borges de Alencar, saudoso pioneiro amapaense, deu a ideia do bloco, que teria a música de Chico Buarque, A Banda, como nome e temática.
Era o primeiro carnaval desde o fatídico 31 de março de 1964, quando as tropas do General Olímpio Mourão Filho saíram de Minas Gerais e chegaram ao Rio de Janeiro e destacamentos das Forças Armadas em todo o país tomaram o poder através de um golpe de Estado.
No Amapá, o governador interventor escolhido pelo primeiro presidente deste período ditatorial, o Marechal Castelo Branco, foi Luiz Mendes da Silva, que considerava aquele grupo de amigos que gostava de reunirem-se no centro de Macapá como “agitadores”.
O próprio Savino, na condição de presidente de uma entidade estudantil em 1964, chegou a ser detido na Fortaleza de São José de Macapá, sob a acusação de agitador. O veterano mostrou o quadro feito pelo artista plástico R. Peixe, que retratou o exato momento da prisão de Savino.
Recuo estratégico
Os 15 agitadores se entusiasmaram com as ideias “subversivo-carnavalescas” dadas por Amujacy e saíram pelas ruas de Macapá naquela tarde de 1965, no que seria o primeiro desfile da Banda. De lá para cá, nestes 56 anos, é a primeira vez que o bloco não sai, garante o pioneiro.
Da Rua Leopoldo Machado, o grupo virou para a Avenida FAB, quando o encontro com o general governador Luiz Mendes era certo e imprevisível, pois o interventor assistia algum tipo de desfile oficialista na frente do Palácio do Governo, onde hoje é o Sententrião – sede central do poder Executivo do Amapá.
Antes que a patota chegasse próxima do mandatário, um emissário governamental foi encontrá-los.
“Olha, Savino, o governador não quer que vocês passem lá, falou que vocês são agitadores e você, Savino, é o lider”, conta, rindo, o pioneiro.
Amujacy, em claro sinal de liderança, foi quem sugeriu o recuo estratégico. Em número reduzido, a ideia era recuar em 1965 para voltarem maiores em 1966. E assim foi feito. Com Banda maior no ano seguinte, nem Luiz Mendes os segurou.
Chicona
Antes disso, no meio do caminho, começou uma tradição mantida até hoje. Próximo ao Estádio Glicério Marques, o artista bonequeiro Cutião, estava com sua enorme boneca, dessas que se parecem os bonecos de Olinda (PE).
“De longe, perto do estádio, eu avistei o Cutião com a boneca. Aí falei ‘Olha a Chicona’, uma conhecida enfermeira da época do Território [Federal do Amapá]. Aí pegou, o Cutião e a Chicona se juntaram a nós, e, até hoje, a Chicona desfila com a gente”, explicou Savino.
Projetos
José Figueredo se orgulha da ser o presidente da associação de A Banda, assim como a notoriedade e respeito que ganhou de governos e órgãos, como os do Sistema S, com quem mantém parceria, sempre conduzindo bem subvenções e apoios públicos. Dentre os princípios, o apartidarismo, a irreverência é outro fundamental.
Quando perguntado quando poderia ter começado a tradição de homens fantasiarem-se de mulher na Banda, disparou: “liberdade, aí é princípio nosso, liberdade!”.
Hoje o pioneiro, que todos os anos participa do desfile, está feliz pela volta das famílias à Banda, pois há muito mais segurança do que em décadas passadas quando o tradicional bloco chegou, inclusive, a estar ameaçado por casos de violência.
“Em 2022 seremos 250 mil na A Banda. Vamos compensar este ano. Temos muitos projetos, as famílias voltaram para o desfile. Este ano vamos cuidar, vamos lembrar e ano que vem vamos manter a tradição”, finalizou Savino.