O voo eterno: Em memória do Cmte. João Oliveira, meu pai

Depois de 15 dias lutando contra a covid, um dos pioneiros da aviação civil no Amapá faleceu. Abaixo, uma belíssima homenagem do filho caçula e nosso repórter Marco Antônio P. Costa
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

É claro que este é o texto mais difícil que já escrevi. Alguém disse uma vez, talvez Marx, que a morte era a vitória do ser biológico sobre o ser social. Discordo. Meu pai, João Batista de Oliveira Costa, faleceu hoje, de covid-19, aos 79 anos.

Eu discordo porque a memória do meu pai será lembrada, seja como pai, filho, irmão, amigo ou nas suas aventuras pioneiras na aviação no Estado do Amapá.

Papai nasceu em 1941, filho de um peão regateiro, Antônio Costa e de uma astuta mulher, Francisca Oliveira. Inventivo desde sempre, sonhava em vencer a pobreza daqueles retirantes que vieram pra Amazônia no início do século XX.

No início da década de 1960, vendeu sua pequena oficina de consertar vitrolas e sua lambreta para cursar o Aerocuble do Pará. Orgulhava-se de ser um dos poucos alunos pobres a ter se formado com louvor, ao ponto de ter sido escolhido como o aluno a realizar o voo de formatura com o capelão que abençoou a turma.

‘Manicaca’ foi realmente a aprender a voar nos garimpos do Tapajós, onde o irmão, Linésio de Oliveira Souza, ia atrás do el dourado amazônico e ‘bamburrou’ no garimpo do patrocínio, enfrentando as pistas mais surreais que se possa imaginar. Foi Linésio que ajudou a comprar o primeiro avião.

Foi nessa aeronave, aliás, que teve o primeiro acidente, enquanto carregava ‘balata’ (matéria prima do chiclete Adam’s). Além destes, teve pelo menos mais outros quatro, sem nunca ter se ferido gravemente.

Passou pelo Rio de Janeiro, sempre com a turma da empresa ‘Paraense’, onde tirou o brevê de piloto comercial. Daí, decidiu voltar à Macapá onde, me contava, queria seguir os caminhos do Comandante Juarez, a quem admirava por ser intrépido, ajudando na integração de um Amapá que não existe mais.

Em Afuá com a filha Daiane e os sogros. Fotos: Acervo pessoal

João: mil histórias escritas nos céus da Amazônia

Na charmosa e bucólica casa que lhe dava orgulho

Além da aviação, construindo, reformando e inaugurando pistas pelo interior do Amapá, mexeu com garimpos diversos, até um dia bamburrar ele próprio. Também foi homem entusiasta do turismo e orgulhava-se muito de ter recepcionado no Amapá a equipe do famoso oceanógrafo francês Jacques Cousteau, além do diretor de cinema de Hollywood David Linch.

Casou-se no Afuá, com uma linda e jovem cabocla, a quem dizia ser a mais bonita do Marajó, Arlete Pelaes. Com ela teve quatro filhos do qual eu sou o caçula. Antes disso, era pai de mais três.

Meu pai foi internado há cerca de 15 dias. No início parecia bem, mas depois a covid avançou. Estava intubado há doze dias. Lutou bravamente, era forte, mas na manhã desta quinta-feira (04), preparou seu voo eterno e decolou.

Deixará saudades e legado do bom pai que foi, do excelente profissional e de um desbravador da Amazônia.

Ao lado do caçula

Tradicional almoço com a família…

Com um dos netos no último Natal

Em nome do assistente social Denisson, do HU, e da doutora Ivna, quero agradecer à toda a equipe da saúde do município de Macapá e do Estado, que deram ao meu pai o melhor tratamento possível, de forma humanizada, ética, correta e carinhosa.

Desejamos, por fim, que todos os enfermos tenham a mais rápida recuperação e que Deus conforte as famílias brasileiras.

Até logo, Comandante. Até um dia, meu pai!

Seles Nafes
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