Por HELUANA QUINTAS e JÚLIO MIRAGAIA
O governo Bolsonaro promoveu uma grande operação política na Confederação Brasileira de Futebol – CBF, nos últimos dias. O presidente da Confederação era Rogério Caboclo, denunciado por assédio moral e sexual. Rogério Caboclo era o principal fiador de Bolsonaro na contenção do movimento de resistência da Seleção Brasileira à realização da Copa América no país, mas foi afastado pelo Conselho de Ética da CBF em decorrência das denúncias. O afastamento dele amenizou o clima com o técnico, Tite, e os jogadores da Seleção Brasileira.
Em meio às crises política e sanitária a que está submetida a Copa América, Bolsonaro foi desmentido pelo Tribunal de Contas da União – TCU. O presidente do Brasil havia dito que o TCU teria feito um relatório identificando que 50% das mortes durante a pandemia não seriam decorrentes da covid. Estamos chegando a meio milhão de mortos e a estratégia sanitária para o enfrentamento à pandemia segue sendo negá-la.
Nega-se também o conceito de aglomeração. Perguntado sobre o evento de futebol no Brasil, Michael Ryan, Diretor de Emergências da Organização Mundial da Saúde – OMS, respondeu numa coletiva de imprensa, em Genebra, que em caso de aglomeração, num contexto de transmissão comunitária, é necessário que haja uma firme gestão de risco. Na ausência desta, deve-se reconsiderar a realização do evento. Mas sob o argumento de que outros campeonatos estão em curso no país e de que não haverá público presente na Copa América, o governo Bolsonaro segue se referenciando nos piores exemplos para gerir a pandemia. Enquanto isso, Ryan pede ao mundo que “escolha a saúde”.
O governo Bolsonaro, por uma via, justifica um erro com outro, e por outra, conduz o entendimento de que aglomeração só existiria em caso de grande público, com milhares de pessoas. A concentração de pessoas num mesmo ambiente a que se denomina aglomeração, no contexto da pandemia, compreende qualquer ajuntamento que aumente o risco de transmissibilidade. Manter grupos pequenos é uma necessidade à medida que promove a redução do número de pessoas não infectadas que poderiam entrar em contato com o coronavírus.
Hoje o Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de mortalidade por Covid-19, é o 72º lugar no ranking de percentual de vacinação entre 190 nações e territórios, não oferece apoio efetivo para que os trabalhadores possam ficar em casa mantendo o isolamento social e não se nota investimento em campanhas informativas massivas que contribuam para o controle da pandemia. Não se vê estímulo ao uso de máscaras, à vacinação, para que as pessoas se vacinem, para que retornem e tomem a segunda dose, e não esclarece sobre a inexistência de tratamento precoce, todas orientações públicas indispensáveis sobre as quais não paira nenhuma dúvida científica.
Os estados de MT, RJ, GO e o DF manifestaram interesse em receber os jogos. Juntos, os estados totalizam mais mortos vitimados pelo coronavírus que a Argentina. O país vizinho atingiu 81.214 óbitos em junho. No mês de maio, por 19 dias seguidos, a média móvel de novos registros de infecção subiram no Brasil. Vivemos a iminência constante da perda e do caos. A ocupação média e crítica das UTI’s em vários estados, incluindo MT, RJ, GO e DF, é uma das marcas do desespero e da convivência com o colapso. A conta-gotas, a vacinação nos municípios forma filas gigantescas de gente e incertezas. “Astrazeneca ou Coronavac?”, “atrasará a segunda dose?”, “quando vou poder me vacinar?”.
“Em nenhum lugar as infecções são tão preocupantes como na América do Sul”, afirmou Carissa Etienne, diretora-geral da Opas (Organização Pan–Americana da Saúde), em abril. Em comparação com outras regiões, a América do Sul apresenta o maior número proporcional de novos casos diários, pior média móvel de mortes em um intervalo de sete dias e pouco mais de 3% da população vacinada. Motivações que serviram para a Argentina desistir de ser sede e ao Brasil, não. A Copa América receberá 10 seleções, mais de mil pessoas integram as comitivas e dois mil jornalistas estrangeiros já solicitaram credenciamento.
O descompromisso com a saúde pública e com a vida das pessoas não é uma ausência de gestão adequada ou uma sequência de erros diante da experiência inesperada de lidar com a pandemia. O Brasil por meio do Sistema Único de Saúde – SUS tem larga experiência em campanhas de vacinações exitosas. Faz parte do projeto político de Bolsonaro negar a pandemia para que ela não pareça tão ruim, é mais um ensaio do Populismo de Direita, como se o desejo dos brasileiros por vacina pudesse ser substituído pelo espetáculo futebolístico e a ciência submetida aos desígnios de um plano eleitoral.
Mais de 116 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar e 19 milhões passam fome no Brasil. Em 2020, mais de 75 mil comércios fecharam as portas e, hoje, mais de 14 milhões de brasileiros estão desempregados. É preciso dizer que isso é reflexo da demora na compra de vacinas. O governo ignorou mais de 80 e-mails da Pfizer e respondeu sobre o da Copa América imediatamente. A prioridade do governo Bolsonaro é fazer mídia eleitoral e não cuidar do povo.
Os brasileiros acompanhariam a Copa América pela TV fosse ela realizada aqui ou em qualquer lugar do planeta, mas o governo focado nas próximas eleições, no seu próprio mandato, na sua sobrevivência política e na dos seus, sacramentou a realização do evento no Brasil de Bolsonaro, onde o novo normal é promover aglomeração, sem uma gestão nacional de risco, em plena terceira onda de transmissão comunitária da covid-19 e, mais uma vez, contrariando as orientações da OMS.
Heluana Quintas é formada em letras, mestre em desenvolvimento regional, produtora cultural e artista
Júlio Miragaia é jornalista e escritor
ÓBITOS
MT 11.022
RJ 51.540
GO 17.462
DF 8.826
TOTAL 88.850
Fonte: https://covid.saude.gov.br/
(Atualizado em 7/6/2021)
COPA AMÉRICA
Brasil –
Argentina –
Uruguai –
Chile –
Paraguai –
Peru –
Equador –
Venezuela –
Colômbia –
Bolívia –