Por RODRIGO ÍNDIO
Superar os desafios para vencer na vida com base no estudo e no suor do trabalho digno para oferecer o melhor para sua família. Assim é a vida do gari Lúcer Clébio Campos de Almeida, de 34 anos, dono de uma história inspiradora.
Amapaense e morador há três décadas do Bairro Araxá, na zona sul de Macapá, ele é filho de um pedreiro e uma feirante. Aos 12 anos, no contraturno das aulas, começou a trabalhar com a mãe na feira e com o pai nas obras. Aos 14 anos, perdeu a mãe, brutalmente assassinada.
Pobre morador de periferia que viu a mãe ser levada pela violência, ele tinha tudo para ingressar na criminalidade. Mas escolheu o caminho do estudo.
Concluiu o nível fundamental na Escola Hildemar Maia, o ensino médio na Escola Castelo Branco, ambas no Bairro do Trem, e fez por três anos pré-vestibular no Colégio Desafio – extinto cursinho destinado a estudantes carentes.
Em 2010, passou no processo seletivo do Centro de Ensino Profissionalizante Professora Josinete Oliveira Barroso (Cepajob) pra técnico em cozinha, onde se formou em 2011.
No mesmo ano, iniciou no curso de Pedagogia na Universidade Estadual do Amapá (Ueap) através de vestibular. Formou-se em 2015. Ainda no segundo semestre de 2011 entrou pelo processo seletivo no curso de Técnico de Enfermagem no Centro de Educação Profissional Graziela Reis de Souza, onde formou em 2013.
Clébio Campos têm dois filhos de criação, o Lucas Gabriel, de 16 anos, que tem paralisia cerebral e a Luane Gabriele, de 14 anos, que apresenta déficit cognitivo, ou seja, não consegue aprender no mesmo ritmo que as outras crianças e necessita de acompanhamento pedagógico para estudar.
Além deles, ele ainda tem uma filha biológica, de 9 anos, Lívia Samara, que é filha de sua ex-esposa, com quem atualmente todos os filhos residem, em decorrência da rotina de trabalho e estudos de Clébio. Entretanto, o rapaz diz ser bastante presente.
“Foram anos difíceis, sendo que eu vivia, praticamente para estudar. Às vezes, não me alimentava durante o dia todo, principalmente na época de estágios. Às vezes me faltava uma passagem de ônibus, mas eu persistir e consegui. Nessa época, a mãe dos meus filhos foi o meu braço direito. Vivemos juntos por 9 anos. Devo muita coisa a ela”, lembra.
Em 2016, prestou Enem e garantiu vaga em Letras/Francês na UEAP, orientado por suas professoras que faziam parte de sua banca de Trabalho de Conclusão Curso (TCC) de Pedagogia. Mas, segundo ele, sua vocação era mesmo a área da saúde.
Com isso, aguardou a chamada pública do Sisu/Unifap para Fisioterapia e processo seletivo de Enfermagem. Ele foi chamado. Largou o curso de Letras e seguiu para o curso de seu sonho, Fisioterapia.
“Já estava cursando Fisio quando fui chamado na Enfermagem, mas optei por ficar na Fisio pelo fato de eu ter um filho com paralisia cerebral grave. Mas o que me impulsionou mesmo foi a morte do meu irmão em 2016, no CTI do H.E. Ele faleceu por falta de Fisio respiratória. Então, eu queria entender e a Fisio me conquistou”, detalhou Clébio Campos.
A pandemia atrasou o calendário do curso. Por isto, o acadêmico ainda percorre o caminho rumo ao diploma de fisioterapeuta. Está perto, mas enquanto a formatura não chega, ele precisa sustentar os filhos. Então – para abrilhantar ainda mais a trajetória de Clébio – ele virou gari coletor, há pouco mais de 4 meses.
Nos últimos dias ele fez uma publicação no Facebook após se ofender com o comentário de uma conhecida que lhe viu com o uniforme do trabalho após mais um dia de serviço e falou numa roda de amigos: “Ei mano, pensei que tu fosse da área da saúde, um Doutor já, mas tu trabalha de gari”, esnobou.
O infeliz comentário mexeu com o brio de Clébio, que reagiu nas redes sociais.
“Pra quem critica a minha profissão eu desejo muita luz e humildade no coração, porque ninguém coleta lixo nas ruas no sol escaldante de meio dia ou nas madrugadas frias e às vezes chuvosas porque quer, e sim porque precisa. Eu peço a essas “pessoas”, se é que assim eu posso chamar esses seres, que se tem nojo, preconceito, ou coisa do tipo com o profissional gari que no mínimo, respeite. Porque embaixo daquele simples uniforme tem um ser humano, um pai de família, um filho, uma esposa, um marido, um estudante com muitos sonhos, que merece ser respeitado, que tem sentimentos, que, às vezes, está passando por ‘n’ problemas, mas está limpando a nossa Macapá com um sorriso no rosto”, desabafou o gari.
Por outro lado, ele diz que ser gari tem muitas vantagens, além do salário honesto.
“É uma profissão muito linda, que me fez entender o sentido da palavra humildade. É muito bom ser útil, limpar a cidade, vê-la bonita. Não tem preço. As pessoas sempre nos dão lanches, cestas básicas. Tem pessoas que deixam todos os dias água gelada em algum lugarzinho específico pra gente. Essa é uma atitude que eu não sei descrever com palavras. Por fim, digo, se você tem um sonho não desista. Corra, persista e coloque Deus sempre à frente, que você consegue realizá-lo. E sigo para alcançar o meu”, concluiu.
Além da profissão de gari, atualmente Clébio Campos cursa o 9° semestre de fisioterapia, mas ainda não fez o estágio obrigatório, em decorrência da pandemia. Também optou por deixar o TCC para o próximo semestre, por conta da rotina desgastante de trabalho.
Também arruma tempo na vida corrida para participar de um projeto de extensão em tratamento NeuroFuncional onde seu filho Gabriel é paciente.
Clébio aguarda, ansioso, a chamada do concurso público municipal de Macapá, na área da saúde, pois passou para técnico de enfermagem.