Por SELES NAFES
Pronta desde 2011, a Ponte Binacional Brasil-França, entre as cidades de Oiapoque e Saint-George, é uma colossal estrutura de concreto e cabos de aço que se ergue no meio da floresta amazônica, e que deveria ser o símbolo físico de integração entre as duas nações. Dez anos depois de concluída, ela se tornou uma regalia usada quase que exclusivamente pelos cidadãos franceses, especialmente os que moram na Guiana.
As duas cabeceiras da ponte estão abertas, mas há regras que na prática viram restrições aos brasileiros. Uma delas é o seguro automotivo considerado caro, de € 150, que no câmbio de hoje equivalem a cerca de R$ 920. Detalhe: a validade é de apenas uma semana. A outra dificuldade é ter o visto. Com o fechamento do consulado no Amapá, só é possível conseguir o documento indo a Brasília.
Quem não reclama dessas restrições são os catraieiros, que temeram ser aniquilados por causa da ponte e, em vez disso, acabaram crescendo. A crise econômica gerada pela pandemia também fez a categoria aumentar em número.
O ex-presidente e fundador da Associação dos Catraieiros, Luís Antônio, conhecido na região como ‘Ratinho’, chegou em Oiapoque no fim de 1988 doente de malária contraída em um garimpo na Guiana. Ele é natural de Breves, uma das ilhas do arquipélago do Marajó (PA). Foram quatro meses tentando vencer a doença.
Em 1989, ele abandonou a ideia de ficar rico com o ouro e até hoje faz a travessia e o transporte de moradores brancos e indígenas ao longo do Rio Oiapoque. Segundo ele, hoje existem pelo menos 220 embarcações em plena atividade, 20% a mais do que havia antes da pandemia.
“São os que ficaram desempregados durante a pandemia e hoje estão trabalhando aqui”, justifica.
Carimbos
Os brasileiros que trabalham do outro lado do Rio Oiapoque, mesmo os legalizados, preferem pegar a catraia do que atravessar a ponte. E a explicação é bem simples.
“É que atravessando pela ponte a pessoa tem o passaporte carimbado a cada ida e vinda, e isso enche rápido o passaporte. Então, é preciso tirar outro bem rápido”, justifica Ratinho. A Polícia Federal cobra uma taxa de R$ 257 para emitir um novo documento.
No dia a dia dos catraieiros o que não falta é passageiro. Cidadãos de ambos os lados movimentam esse segmento. Como o comércio em Oiapoque é maior e mais diversificado que em Saint-George, cidadãos e indígenas de cidadania francesa fazem as compras em Oiapoque, claro, com muitos euros. Eles gastam nos bares, restaurantes e pequenos supermercados do lado brasileiro.
Em Saint-George o movimento inverso também é grande para alegria dos catraieiros e comerciantes, na maioria chineses. Os brasileiros visitantes atravessam para degustar da rica gastronomia da Guiana, cervejas, vinhos e chocolates de várias nacionalidades.
É bem comum visitantes voltarem para o Brasil com dezenas de garrafas de vinho, o artigo mais procurado nos mercantis de Saint-George. No entanto, há fiscalização do lado brasileiro. Ao retornar a Oiapoque, é comum a abordagem de militares do Exército checando o volume de garrafas que o visitante está levando para o Brasil. A cota é de 12 volumes, por pessoa.
Apesar de o comércio ser aberto entre os dois lados da fronteira, é comum trabalhadores arriscarem a vida para levar charque, coloral, calabresa e outros produtos pelo Rio Oiapoque até localidades próximas de garimpos. Naufrágios e apreensões de mercadorias são bastante comuns.
Todo esse dinheiro circulando e movimento também são bons para outros segmentos, tema próxima reportagem especial sobre Oiapoque.