Por CHRISTINA ROCHA, advogada
Há pouco tempo atrás, a mulher era vista como propriedade do homem, especialmente de seu marido, a quem ela devia total submissão e respeito. Além de cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos, um dos deveres impostos à mulher era manter relação sexual com seu marido, independentemente de sua própria vontade, algo que não se pode conceber em tempos atuais.
Mas, e se o marido obrigar a própria esposa ou companheira a praticar sexo, estará no exercício de um direito ou estará cometendo um crime?
Certamente, estará cometendo o crime de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal que impõe a pena de reclusão de até doze anos (ou até 30 anos nos casos em que resulta em morte) para aquele que tiver “conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.
A conduta também é considerada como prática de violência contra a mulher, prevista na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e pode ensejar o imediato afastamento do marido estuprador do lar conjugal.
O Estupro Marital, portanto, consiste na prática do ato dentro da relação conjugal.
É importante destacar que o dever de manter relação sexual não está inserido dentre os deveres dos cônjuges previstos no art. 1.566 do Código Civil que limita as obrigações aos seguintes aspectos: fidelidade recíproca, vida em comum, domicílio em comum, sustento, guarda e educação dos filhos, além de respeito e consideração mútuos.
Neste sentido, o entendimento pacificado dentre os advogados familiaristas é de que, “embora a relação carnal voluntária seja lícita ao cônjuge, é ilícita e criminosa a coação para a prática do ato por ser incompatível com a dignidade da mulher e a respeitabilidade do lar. A evolução dos costumes, que determinou a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, justifica essa posição. Como remédio ao cônjuge rejeitado injustificadamente caberá apenas a separação judicial” (Júlio Mirabete, 2003, pág. 411).
É certo que os crimes contra a dignidade sexual já são de difícil comprovação. Em se tratando do marido, portanto, tal situação pode se tornar ainda mais complicada. Isso porque, dentre outras dificuldades, a mulher leva um tempo para compreender que o ato sexual praticado contra sua vontade pelo marido não consiste em algo aceitável.
Daí a importância de reflexão acerca do tema. Nas palavras de Beccaria (Livro: dos delitos e das penas), “quanto maior for o número dos que compreenderem e tiverem entre as mãos o sagrado código das leis, menos frequentes serão os delitos.”
Christina Rocha é advogada de Macapá desde o ano de 2008. Especialista em Direito de Família e Sucessões. Em seu Instagram e facebook (christinarochaadvogada) compartilha temas relacionados ao Direito de Família, Sucessões e também Direitos das Pessoas com Autismo.