O Amapá, Richarlison e o apagão

O amapaense gosta do Richarlison porque quando fomos mais absolutamente esquecidos pelo restante do país no apagão de 2020, ele lembrou da gente.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

É sempre uma agonia, um dejavu incômodo e enxerido, indesejável, sofrido. Acontece em qualquer momento: manhã, tarde, noite ou madrugada. De repente, tudo se apaga e dessa vez, faltando uma hora para o jogo de estreia do Brasil na copa, aconteceu novamente.

Sem luz, internet e ligações convencionais. Apagão no Amapá é coisa séria. Não houve um filho de Deus pelo qual não tenha passado um filme na cabeça do que começara naquele fatídico 3 de novembro de 2020. Treze dos dezesseis municípios sem energia elétrica. De novo. Incrível, eu sei. O amapaense não tá de brincadeira, parece ser sempre uma prova de resistência em um reality show da vida real.

O amapaense gosta tanto do Richarlison porque quando fomos mais absolutamente esquecidos pelo restante do país, um gol, um pequeno grande gesto de um homem que veio da pobreza, nos recolocou no caminho de volta à dignidade. Assim o disse:

“Eu queria dedicar esse gol para todas às pessoas do Amapá, que estão sofrendo muito. Como cidadão brasileiro peço que as autoridades se pronunciem e tomem decisões logo, porque o povo de lá está sofrendo, poderiam dar uma atenção a mais”, comentou o solidário Richarlison, à época, em uma entrevista após o jogo.

Nosso Pombo falou isso ao marcar o segundo gol de um Brasil x Uruguai, no dia 17 de novembro e o povo amapaense voltou a ter energia elétrica “integral” apenas alguns dias depois. O que o jogador fez – essa gentileza, essa preocupação humana com seus compatriotas dos limites setentrionais – foi muito significativo. Lembro-me que aquilo foi fundamental para recuperar o moral da minha tropa e para dar vazão àquela indignação atroz que eu sentia e ainda sinto todas as vezes que a energia falta novamente.

Postagem do atacante em favor do Amapá na época do apagão

Era ruim o serviço estatal e não está muito melhor após a privatização. A CEA Equatorial e outras empresas que amealharam o setor elétrico (seja na transmissão ou na distribuição) devem explicações ao povo do Amapá, não podemos mais naturalizar coisas assim. Aliás, o apagão de ontem foi culpa (de novo) da transmissão, agora realizada pela Energisa (sucessora da LMTE).

Em pleno 2022, o Amapá ainda não resolveu o que boa parte do mundo resolveu faz quase um século. E também falta água, quase todos os dias, na frente do maior rio do planeta. Bizarro. Absurdo.

Mas ontem, ao menos ontem, apesar do péssimo serviço, os deuses do futebol não nos deixaram na mão. A energia voltou. Quando Richarlison fez o importante primeiro gol, um gol de camisa 9, de centroavante, comemoramos. Quando o cria de São Gonçalo (RJ) – Vini Júnior – deu aquele passe e o nosso camisa 9 matou a bola já a ajeitando para um voleio acrobático, espetacular, incrível, coisa de cinema, nos sentimos com a alma lavada!

Atacante marcou os dois gols do Brasil da vitória da estreia do mundial. Foto: Getty Images

Que o gol mais bonito de toda a primeira fase dessa copa do mundo nos dê a força necessária para chegarmos no hexa e que 2023 seja o ano em que, enfim, a gente comece de fato a resolver os problemas estruturais do Amapá. Eu acredito no hexa e acredito, mesmo que às vezes seja difícil, no Amapá.

P.S.: são 5h25 da manhã e acordei mais cedo porque não tem energia no Centro de Macapá.

Seles Nafes
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