Por ANDRÉ ZUMBI
A imagem de Dirlei Damasceno Ribeiro, de 30 anos, segurando a bandeira da equipe onde treinava para o concurso público da Polícia Militar, após concluir o último dia do Teste de Aptidão Física, viralizou nas redes sociais.
Mas, quem vê o sorriso estampado no rosto não faz ideia do que ele passou para chegar até ali. Criado apenas pela mãe, que era merendeira e morreu em um acidente de trânsito em 2022, ele encontrou nos estudos a única saída para mudar a sua história.
Dirlei recebeu a reportagem do portal SelesNafes.com nesta sexta-feira (10), um dia após a aprovação no TAF, no apartamento da mãe, no habitacional popular Açucena, zona sul de Macapá. Ela foi atropelada e morta em outubro de 2022 quando voltava de uma festa no Bairro do Trem.
Esta foi a segunda vez que Dirlei tentou o concurso para PM. No primeiro, em 2017, ele ficou perto de ser chamado, mas o sonho não se concretizou.
Com biótipo franzino e a fala acelerada, mas com as palavras bem colocadas, ele contou que a mãe passou por muitas dificuldades para criar cinco filhos – ele e os seus outros quatro irmãos. Ele é o penúltimo e divide o apartamento com o caçula. A história da família começou com o avô de Dirlei vindo do Ceará para o Amapá. Foi em Macapá que constitui família.
Quando criança, Dirlei começou os estudos na escola Sesc, mas sem condições de manter as despesas, a mãe decidiu matriculá-lo na rede pública, onde concluiu ensino médio. Com a nota do Enem, ingressou na Universidade Federal do Amapá (Unifap), onde cursou Geografia – mesmo período que decidiu sair de casa e morar sozinho.
Dirlei não quis entrar em detalhes sobre o fato que o levou a tomar essa decisão, só disse que conseguiu alugar um lugar, mas com pouco dinheiro e desempregado, logo foi despejado.
O jovem tentou, nos primeiros anos de curso, acessar bolsa estudantil na universidade, mas teve o pedido recusado várias vezes. Sem dinheiro e sem ter onde morar, o desespero bateu.
“Até que um professor me ajudou. Ele conseguiu me ajudar com os papéis e conseguimos um auxílio alimentação, vale transporte e um uma bolsa de trabalho. Aí, consegui alugar um quartinho”, relatou.
Até a formatura, a única fonte de renda era o auxílio que recebia da universidade. Depois de formado, em 2017, e sem ter como se manter, voltou para a casa da mãe que já morava no Açucena. Foi nesse período que decidiu dedicar-se aos estudos. O objetivo era passar no concurso da PM que ocorreria naquele ano.
“A mamãe dizia que eu ia ficar doido porque eu passava o dia lendo. Ela não sabia que, na verdade, eu estava resolvendo questões, estudando para concurso”, disse.
Sem recursos para pagar cursinho e material de estudo, decidiu procurar uma fonte de renda e tentar ajudar um pouco em casa. Foi quando ele conheceu uma família onde passou a frequentar a casa, e muitas vezes fazer refeições com eles. Até que um deles o fez uma proposta de negócio.
“A gente quer colocar um churrasquinho para vender e queremos colocar água também. Se tu quiser, não precisa entrar com nada, é só vender que a gente racha os lucros. Foi quando comecei a vender água, só que eu estudava também, mas diminui mais a carga de estudos. Nesse tempo comecei a ganhar umas gorjetas. Decidi viver disso e estudar até passar num concurso”, lembrou.
Com a ideia fixa, e obstinado, aceitou a proposta e passou a vender água na frente do supermercado próximo ao Cemitério São José.
Foi com o dinheiro das vendas que decidiu contratar um serviço de internet e estudar em casa, porque foi nesse mesmo período que ocorreu a pandemia de covid-19 e todos os cursinhos tiveram que fechar as portas.
“Eu precisava estudar. Aproveitei uma promoção que tinha, bem baratinha e paguei. Aí, eu passei a trabalhar para pagar a internet e me sustentar”.
Dirlei ainda fez outros concursos antes da segunda tentativa para a PM, como Unifap, Polícia Civil, Banco do Brasil, chegou a se inscrever para a PM de outros dois estados, mas nunca conseguiu viajar para realizar as provas.
Antes de morrer, a mãe recebeu a feliz notícia que ele havia alcançado a pontuação que garantia uma das vagas no certame no atual concurso. Feliz, ela tratou de encontrar uma academia para que ele começasse os treinos, e achou uma onde ele não precisou pagar. Os donos ficaram comovidos com a história dele e os deixaram usar o espaço.
Os treinos
A maior dificuldade foi a natação. Precisou usar duas modalidades para conseguir fechar no tempo estipulado no edital: crawl e costas. Ele passou a usar as dependências do Comando Geral da PM para treinar também e, concomitantemente, ia à academia, onde passou a vender água, pois não tinha mais tempo de ir ao ponto onde sempre trabalhava.
“Passava praticamente o dia todo fora de casa. Só chegava para comer e dormir”, relata.
Nos simulados, mais precisamente no último, não conseguiu concluir as etapas do teste e revelou que no dia D, estava muito abalado psicologicamente.
“Achei que não ia conseguir”.
O primeiro dia do teste foi um sucesso, já no segundo, o último dia, a natação, ele foi o último a sair da piscina.
“Quando senti que estava sozinho durante o percurso, pensei: pronto, acabou pra mim. Nos últimos metros dei o máximo de mim. Quando sai da piscina o instrutor me mandou ir para o ginásio, onde estavam os que foram considerados aptos. Não acreditei. Consegui”.
Dirlei vai continuar vendendo água até passar por outras fases e entrar no Curso de Formação – quando os alunos a soldados começam a ser remunerados pelo Estado. Isto porque não tem outra fonte de renda e precisa pagar pelos exames médicos admissionais que virão na última etapa do processo.
“Tenho planos de ajudar minha família. Meus irmãos. Se a mamãe estivesse aqui, estaria orgulhosa de mim”.