Por ARTEMIS ZAMIS, empresário e articulista
Quem nunca contou uma mentirinha dos tempos idos da escola, das brincadeiras de rua, da ‘zoação’ com os amigos nos banhos de chuvas, as trapacinhas do bate figurinha, do pega pega e por aí vai?
Até os anos 80, nossas mentiras estavam restringidas a poucos meios e, ai de nós, quando éramos descobertos pelos nossos pais. Quantas vezes vi havaianas voarem na minha irmã, uma mentirosa inveterada que não me atrevia a superá-la.
Tinha o dom. Foram as primeiras vezes que vi tamancos, chinelos, cintos e cabos de vassouras voarem pela casa da pequena fazenda da minha tão saudosa infância. Uma vez, meu pai confiou a mim e ao irmão a missão de ir na venda fazer a compra de mantimentos e, ao passarmos no rio, vimos a turma toda lá se divertindo na queimada e, lógico, que já gritaram pra entrarmos na brincadeira.
Caímos na água e esquecemos do tempo. Quem viveu os anos 70/80 sabe que o maldito tempo era e sempre foi nosso maior inimigo em tudo. Não demorou muito pra que a irmã, aquela rainha da mentira, passasse. Ao avistá-la ainda ao longe e sabendo que ia nos dedurar, mergulhamos calculando o tempo que levaria pra passar e, embaixo d’água ainda, fiz sinal de ok para meu irmão achando que já estivesse longe, e sentindo que nosso fôlego já estava bem abaixo da reserva segura. Precisávamos subir a qualquer custo. Tudo ok, emergimos e pra nossa triste surpresa estava lá ao longe a mentirosa de braços cruzados, batendo o pezinho no chão dentro da havaiana rosa e gritou: Vou contar pro papai!!!
Naquele momento, minha alma saiu do corpo por alguns instantes e piorou quando olhei pra cara do irmão e constatei que o sangue tinha ido todo embora. Aquele grito de “Vou contar pro papai” ecoa até hoje nos meus ouvidos. Chacoalhei o irmão, e, vendo que ainda respirava, falei: ‘vamos correr pra venda, que a casa caiu’.
Largamos a queimada tão boa e nos colocamos a secar o cabelo mexendo com os dedos ao sol amigo e foi ali que praticamos a marcha atlética pela primeira vez. A volta pra casa era inevitável, mas naquele dia eu toparia dormir em alguma vizinha, fosse ela de esquerda ou direita.
Bom, chegamos em casa e pude perceber que as pernas do irmão tremiam e quando olhei as minhas, pareciam dois cambitos batendo um no outro que podia até ouvir o barulho. Nosso pai estava na espreguiçadeira na sala ampla com 4 janelas azuis e podia sentir o vento da tarde invadir o ambiente tétrico.
Sentamos perto e o irmão conseguiu balbuciar uma única pergunta se o pai queria um café. Foi quando ele se levantou da espreguiçadeira e se esticou até a prateleira acima de nossas cabeças, onde ficava também o rádio ABC, e pegou a minha espada de plástico verde que havia ganhado da irmã mais velha, um dia antes.
Meu irmão foi a primeira vítima e só lembro de ter dado corda nas pernas e correr, correr, correr. Só voltei quando achava que a raiva já tinha passado, mas ledo engano. Naquela época, a raiva deles não passava assim tão rápido. Era preciso corrigir a qualquer custo. Meu castigo foi com cinta, o que me fez desejar a espada de plástico verde. Nossa vida era assim: com algumas traquinagens, algumas mentiras, mas que era um tempo em que tudo se resumia em um amor fraterno, sempre com um final onde tudo se acabava ou em pizza ou em um bom copo de coalhada.
A mentira nasceu junto com Adão e Eva, e, de lá para cá, nunca ninguém ousou eliminá-la, nem deixar de utilizá-la e hoje é a principal ferramenta para se eleger políticos, se conquistar empregos, casamentos, namoros e, por incrível que pareça, até certos religiosos já a utilizam como ferramenta ministerial.
A mentira hoje nunca foi tão propalada, tão questionada e tão contestada. O advento das redes sociais desde a primeira SixDegrees criada por Andrew Weinreich nos Estados Unidos, trouxe junto a proliferação indiscriminada da mentira onde pessoas são o que querem ser. Valentes, calientes, solitários, conquistadores afoitos, corajosos, medrosos, tudo e mais um pouco.
Com a mentira utilizada nas redes sociais de hoje, a política nunca mais foi a mesma e por ser território sem lei, sociedades, famílias e países inteiros estão sendo transformados, e para pior. Há então que se fazer sim Leis severas para coibir essa ferramenta obscura de forma que seja bem discutida bem formada para que os únicos beneficiários sejam de fato nossa sociedade e a nossa democracia.
Não dá mais pra só pegar a espada verde de plástico e corrigir infratores.
Em terra sem Lei, que haja a Lei.