Por SELES NAFES
Um dos depoimentos mais aguardados do julgamento do major Joaquim Pereira, de 57 anos, que começou na manhã desta segunda-feira (23), foi da policial militar Jamile Souza Mira Santana, de 40 anos, viúva do tenente Kleber Santana. Ela pediu para não prestar depoimento na frente do réu, e foi atendida pela juíza que preside o júri. Visivelmente emocionada, ela relatou como foram os últimos instantes com o marido, antes dele sair de casa para deixar o filho de 4 anos na escola.
“Era ele que arrumava o nosso filho, enquanto eu arrumava a lancheira. A gente ia sair junto no carro, mas eu me atrasei e mudei de ideia. Eu disse que eu ia (para o quartel) no meu carro. Ele veio, me beijou e saiu”, recordou. Foi a última vez que viu o marido com vida.
Jamile contou que estava dirigindo seu carro em direção ao quartel ouvindo um programa de rádio quando escutou uma notícia sobre disparos de arma de fogo no centro de Macapá. Era o mesmo trajeto que ela fazia.
“Conforme eu fui me aproximando fui vendo o carro branco, com as mesmas características. Pensei que o Kleber tinha parado para ajudar alguém naquele momento. Mas visualizei os disparos e vi a placa do carro (do marido). Meu carro estancou. Eu não entendi o que estava acontecendo. Vi que eram vários disparos e saí do carro procurando meu filho”.
“Uma pessoa veio com ele no colo e ele disse: mamãe, o papai não sobreviveu. Ele estava muito nervoso e tremendo. Peguei ele no colo, levei pro meu carro e falei: fica aqui que eu vou ver como está o papai. Ele dizia: fica aqui, mamãe, pra você sobreviver”.
“Eu abri a porta e já vi ele (Kleber) de cabeça baixa. Chamei, chamei, mas ele não respondia. Não tinha ninguém ainda. Corri pro carro porque meu filho estava muito nervoso. Ele perguntava se era Nescau (respingos de sangue) no uniforme dele. Eu respondi que sim, mas ele não tinha tomado Nescau naquela manhã”.
“Quando eu voltei de novo pro carro (de Kleber) já vi massa encefálica nas pernas dele, e disso o quanto eu amava ele. Olhei ao redor e tinham pessoas filmando. Eu pedi para não filmarem. Parecia uma cena de filme de terror”.
Por ser esposa da vítima, Jamile não foi considerada uma testemunha, mas informante. Foi o primeiro depoimento após a pausa do almoço, por volta das 14h30.
A viúva também relatou que não viu o acusado no local do crime. O major Pereira havia fugido, e só se apresentaria no seguinte dia. Atualmente, ele cumpre prisão preventiva no centro de custódia do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen).
Trauma e temperamento do marido
Segundo Jamile, o filho e o marido eram muito próximos, e o pai fazia questão de participar de todos os momentos do menino. Depois do crime, a criança passou a ter pesadelos e mudanças no comportamento que a obrigaram a procurar apoio psicológico para o menino.
Indagada pela magistrada sobre o temperamento do marido, Jamile disse que conviveu com ele durante 23 anos sem nenhuma briga grave.
“Ele sempre me cortava com uma piada. Era a marca dele, ser bem-humorado. Nunca foi descontrolado. Estávamos na investigação do diagnóstico de autismo do nosso filho. A partir disso, mais ainda, ele demonstrava o cuidado com o filho. O Kleber nunca deixava de estimular ele”, descreveu.