Por SELES NAFES
Às 16h do dia 4 de novembro de 1955, pousava na Base Aérea de Amapá o presidente deposto da Argentina, Juan Domingos Peron, marido de Evita Peron, a famosa primeira-dama que marcou a memória da América do Sul. O ex-presidente estava em fuga, após um golpe militar, e não ainda havia conseguido asilo político em nenhum país. Cansado, exalando sardinha e cigarro, de acordo com relatos da época, ele foi bem acolhido por um amapaense durante as quase 24h em que esteve por aqui.
Durante vários anos, Alfredo Oliveira, um ex-cabo do Exército que tinha sido diretor da Escola de Iniciação Agrícola de Amapá (e que mais tarde se tornaria prefeito de Amapá), contou essa história em artigos no saudoso Jornal do Dia. Fragmentos desse conteúdo podem ser encontrados em blogs.
O ex-presidente estava a bordo de um avião C Douglas-47, cedido pela Força Aérea do Paraguai, país para onde fugiu após a queda do governo. A bordo com ele estavam apenas duas pessoas: o piloto, um major da Força Aérea Paraguaia, e uma comissária de bordo que era funcionária do governo do Paraguai. Apesar desse apoio, o governo Strossner não concedeu asilo político a ele.
Peron, que era general, teve três mandatos como presidente da Argentina: 1946 a 1955 (dois mandatos seguidos) e de 1973 a 1974.
A primeira escala de Peron após a partida de Assunção no dia 2 de novembro, segundo relatos dele ao cabo Alfredo, ocorreu no Aeroporto de Congonhas (SP), onde a aeronave foi reabastecida. Peron pediu asilo, mas a solicitação foi negada pelo governo brasileiro. Duas horas depois, ele pousou no Santos Dumont (RJ), onde foi reabastecido.
A partir de então, foi traçado um plano desesperado: chegar à Guiana Francesa pelo norte do Brasil, o que ia requer muita autonomia de voo. Depois de um reabastecimento no Maranhão, o avião pousou na Base Aérea de Amapá, construída pelo Exército dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial.
Cansaço e banho
Peron ficou esperando no avião até a chegada de Cabo Alfredo num pequeno trator, diretor da Escola Agrícola. O ex-presidente da Argentina foi levado para a casa de Cabo Alfredo, onde tomou banho e se recompôs da extenuante viagem. Depois de afirmar que estava cansado de comer sardinhas, o hóspede recebeu um almoço especialmente preparado.
Com a ajuda do major Novac, piloto do avião e que falava bem o português, o ex-presidente relatou toda a aventura. Por telégrafo, Cabo Alfredo informou ao governador do Território Federal do Amapá, Janary Nunes, o que estava acontecendo. A ordem foi para que o acolhimento continuasse.
Juan Peron contou também que a intenção, depois da decolagem no Maranhão, era reabastecer somente em Caiena, mas não houve permissão do governo francês, por isso foi necessário pousar em Amapá.
No dia seguinte, outro avião aterrissou em Amapá, só que comandando por Hamilton Silva. Ele transportava o jornalista Agostinho Nogueira de Souza, que tinha como pauta entrevistar o ex-presidente Argentina para a Rádio Difusora de Macapá.
Após a despedida e muitos agradecimentos, o avião foi reabastecido com gasolina de caminhão, na falta de querosene de aviação. Novac tinha afirmado que os dois produtos eram semelhantes.
Dias depois, Peron conseguia chegar à Espanha, onde conseguiu asilo e morou em Madrid. Cinco anos depois casou de novo. Ao receber autorizar para retornar à Argentina, foi eleito para um terceiro mandato que só durou dois anos. Doente, ele morreu em 1974. A vice assumiu, mas foi destituída pelos militares em um novo golpe.