Consignados e o empobrecimento: 80% dos servidores do AP estão ‘pendurados’ em empréstimos

Seduzidos pelo crédito fácil, funcionários públicos do Amapá estão cada vez mais endividados e pobres
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Por SELES NAFES

O empréstimo consignado no salário pode ser uma mão na roda para emergências ou investimentos, mas também pode pavimentar uma jornada dolorosa à falência pessoal, uma condição cada vez mais comum no serviço público.

No Amapá, a legislação do Estado permite o comprometimento de até 40% do salário com empréstimos em bancos, mas, na prática, muitos funcionários recebem apenas 20% da remuneração graças a outras ‘garfadas’ e à própria falta de educação financeira.

Atualmente, o salário do servidor público do Amapá pode ser consignável em 80%. Desse total, 40% podem ser de empréstimos, 30% de parcelas compulsórias (ordens judiciais), 5% com cartão de crédito e 5% com cartão benefício (vale-alimentação, por exemplo).

No caso dos servidores públicos federais, os empréstimos consignados podem consumir até 45% do salário. E as modalidades são muitas. É possível emprestar deixando como garantia a restituição do Imposto de Renda e é possível comprometer até a aposentadoria. 

No ano passado, a Confederação Nacional dos Servidores Federais (Condsef) revelou que aproximadamente 70% dos funcionários da União estão endividados nessa modalidade. Em 2019, a dívida chegava a R$ 222 bilhões, segundo o Banco Central.

A Secretaria de Estado da Administração (Sead) do Amapá estima que 80% dos 32 mil servidores estaduais tenham contratos financiados com bancos e demais operadoras de crédito. Não foi possível apurar esse percentual na prefeitura da capital, mas a estimativa é de que seja semelhante ao do Estado.

Essa indústria dos consignados é tão grande no Amapá, que muitos ex-governadores e ex-prefeitos já tiveram dor de cabeça com a justiça. Vários respondem processos até hoje por não repassarem aos bancos as parcelas descontadas dos salários. 

Servidores são cercados de ofertas de empréstimos de todos os lados. Foto: Arquivo

Empobrecimento

Mas o pior de tudo, talvez seja o declínio da condição social dos servidores. A maioria é alvo fácil dos bancos. Por telefone, consultores ‘atacam’ sempre que abre nova uma margem consignável no salário do servidor. Como esses consultores ficam sabendo disso, ainda é um mistério.

E os vendedores de empréstimos não têm limites. Mesmo quando não há margem, muitos servidores são convencidos a financiar ‘por fora’ do contracheque. A maioria sucumbe, diante de tanta tentação em crédito fácil.

O superendividamento leva ao empobrecimento. Servidores não conseguem manter planos de saúde e vão parar na fila da rede pública.

E uma nota pessoal: certo dia, fui aos Capuchinhos para uma reunião e vi uma senhora de meia-idade sentada em um banco aguardando o atendimento médico. Ela estava elegantemente de pernas e braços cruzados, bem vestida, diferente da maioria das pessoas carentes que são o público alvo desse incrível trabalho dos frades Capuchinhos.

No entanto, ela aparentava cansaço, desânimo. Naturalmente, perguntei a uma funcionária sobre aquela senhora e ela me respondeu:

“É servidora pública do Estado. Atendemos muitos servidores em situação de pobreza mesmo, cada vez mais”, revelou. 

 

Seles Nafes
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