A secular Festa do Divino Espírito Santo, em Mazagão Velho

Evento marca homenagem à Princesa Isabel e marabaixo itinerante.
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Por GABRIEL PENHA, especial para SelesNafes.com
Eram por volta de 10h de sábado, 24 de agosto de 2024, quando acontecia, por mais um ano, o ritual que marca o ápice da Festa do Divino Espírito Santo, em Mazagão Velho, na frente do altar da igreja de Nossa Senhora da Assunção. A cerimônia de coroação da Imperatriz, considerado o ponto alto da festividade, é um momento aguardado com muita expectativa pela comissão organizadora e moradores do lugar.

Duas senhoras da comunidade são as responsáveis pela condução da cerimônia da Coroação. Joaquina Jacarandá e Joaquina Carmelita dividem não só o nome, mas também a idade – ambas têm 72 anos – e ainda a missão herdada das mães, Olga Jacarandá e Maria Barriga, já falecidas, que um dia fizeram o papel que hoje é das filhas.

“É uma honra estar aqui para manter esse legado. Nosso papel é repassar esse conhecimento para as próximas gerações, para que a tradição não acabe. A Festa do Divino está nos nossos corações”, diz dona Joaquina Jacarandá.

Além da Imperatriz, 11 outras meninas da comunidade compõem a chamada “Corte do Divino”. Fotos: Gabriel Penha

Apresentações de marabaixo itinerantes

Uma soberana iluminada
A Festa do Divino Espírito Santo é uma tradição portuguesa celebrada em diversas regiões do Brasil. Em Mazagão Velho, porém, o diferencial é a alusão à Princesa Isabel, signatária da Lei Áurea, que declarou o fim da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888; a homenagem é pelo fato dos mais antigos acreditarem que a soberana foi “iluminada pelo Divino Espírito Santo” ao pôr fim a 388 anos de escravização do povo negro.

Além da Imperatriz, 11 outras meninas da comunidade compõem a chamada “Corte do Divino”, com cargos e atribuições diferentes, sendo chamadas de “empregadas”. A Trinchante cuida das joias da princesa; a Pega na Capa é responsável pelas vestimentas; A Alferes Bandeira conduz a bandeira do Divino; as quatro Varas Douradas são as responsáveis pela Guarda Real (segurança); e as quatro Pagas-Fogaças cuidam da alimentação.

As meninas, com idade entre cinco e 12 anos, são escolhidas em sorteio no ano anterior e apesar da importância de todos os papéis, o cargo de Imperatriz é sempre o de mais cobiçado e assim a família em cada detalhe dos vestidos e acessórios como luvas, pulseiras e tiaras que cada uma usa durante o período da festa.

O bandeirista Fernando Valente, de 46 anos, desempenha esse papel desde jovem

Em 2024, quem recebeu o papel de destaque foi a Ayla Maria de Oliveira, de cinco anos. O pai, Almir Pantoja da Silva, de 38 anos, diz que foi um ano de grande expectativa e preparação para a chegada da festa e relata que o que mais marcou foi o apoio da comunidade para que tudo desse certo para o grande momento da filha.

“Nossa família foi acolhida e recebeu muito apoio para que desse tudo certo. Somos muito gratos por tudo”, diz Almir, emocionado.
Depois da bênção final, dada pelo padre Edvaldo Neves, a Soberana e sua Corte seguem em caminhada até a sede Mocito Ayres. Lá, é servido o lanche para foliãos e foliãs, comissão organizadoras, convidados e público em geral, incluído no cardápio a bebida de cacau e beiju-cica, feitos pelos próprios membros da organização com matéria-prima do lugar.

Primeira parte da festa é religiosa. Fotos: Gabriel Penha

No espaço acontecem ainda os leilões, para arrecadar fundos para a festividade, que por decisão da comissão organizadora, não recebe qualquer apoio oficial, sendo custeada pelo pagamento de mensalidade dos sócios, doações e outras formas de angariar recursos. E lá também que acontece o sorteio das meninas para compor a Corte do ano seguinte, garantindo que a tradição se renove.

Um marabaixo pela paz
Outro momento considerado importante dentro da festividade é o marabaixo de rua, que inicia logo após o encerramento da primeira parte da festa religiosa e social. Uma comitiva de brincante percorre as ruas da vila histórica precedida por um deles agitando uma bandeira de forma frenética.

O bandeirista Fernando Valente, de 46 anos, desempenha esse papel desde jovem. Na bandeira, a palavra de três letras que é a tônica do espírito que toma conta da festa: “Paz”; o “marabaixo itinerante” segue pelas ruas e casas de Mazagão Velho até às 18h, quando ocorre a derruba do mastro e a passagem dos cargos da Corte do Divino.

Uma comitiva de brincante percorre as ruas da vila histórica precedida por um deles agitando uma bandeira

Mazagão Velho é considerado o berço da cultura amapaense e também guarda a história da origem do marabaixo, manifestação reconhecida em 2018 como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan.

E na busca dessa das origens da tradição que por mais um ano estiveram presentes no marabaixo de rua em Mazagão o ex-conselheiro de Cultura da cadeira do Marabaixo, Fábio Souza (neto do bsaudoso Mestre Sacaca) e Danniela Ramos, que integra o grupo Raimundo Ladislau, do bairro do Laguinho, em Macapá.

E o refrão da música do casal de mazaganenses Rosângela Gungá e Manoel Duarte reforça ainda mais o espírito festivo: “Quem quiser se divertir e brincar feito um menino, Venha pra Mazagão Velho, ver a Festa do Divino”. São falas e marcas de uma tradição que resiste ao tempo e da luta de um povo que atravessou o Atlântico no século 18 para manter viva a sua identidade cultural.

Festa ocorre ao som do Marabaixo

O autor é bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal do Amapá (Unifap), fotógrafo profissional e idealizador do projeto “Povo de Cultura e Fé”, premiado pelo Edital “Rumos”, do Itaú Cultural e quem tem como proposta difundir a história e a cultura da vila de Mazagão Velho.

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