Delegado é condenado a 10 anos de prisão e à perda do emprego

Alvo da Operação Queda da Bastilha, Sidney Leite teria se associado ao líder da FTA
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Por SELES NAFES

O ex-titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE) da Polícia Civil do Amapá, Sidney Leite, foi condenado nesta segunda-feira (30) a 10 anos e dois meses de prisão, em regime fechado, por associação à facção criminosa Família Terror do Amapá (FTA). A decisão, de 50 páginas, foi do juiz Luís Conversani, da 3ª Vara Criminal de Macapá.

Sidney Leite foi preso preventivamente na Operação Queda da Bastilha, da Polícia Federal e Gaecco, em setembro de 2022, que investigou um esquema para fraudar a concessão da prisão domiciliar de Ryan Michele, o “Tio Chico”, co-fundador e então líder da facção. Atualmente, ele cumpre pena por diversos processos na penitenciária federal de Mossoró (RN).

As investigações iniciaram após duas outras operações que apuravam a entrada de celulares e drogas no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen). Um dos telefones apreendidos, de Ryan Michele, revelou conversas entre ele e o delegado.

Os diálogos, ocorridos em janeiro daquele ano, são citados pelo magistrado como prova de que Ryan não era um informante, como alegava a defesa do delegado.  

Nas conversas, o delegado oferece ajuda para alugar um carro blindado e um apartamento para Ryan quando ele conseguisse a liberdade fraudulenta com ajuda de servidores do Iapen. Num dos diálogos, o delegado demonstra estar ciente do esquema, e informa que já tinha conseguido um apartamento para Ryan, mas o criminoso não concorda com a localização pela segurança e prazo de 1 ano de locação.  

Trecho da sentença

Sidney Leite chega a dizer que poderia hospedar o criminoso quando ele saísse, desde que ele não estivesse de tornozeleira eletrônica. O carro blindado acaba não sendo alugado porque o delegado disse a Ryan que todos os veículos disponíveis no mercado estavam reservados pela comitiva do então presidente Bolsonaro, que visitaria o Amapá naquela época.

O delegado chega a comemorar quando Ryan Michele informa que o documento necessário para conseguir a prisão domiciliar havia sido assinado.

Para o juiz, o conteúdo das conversas não caracteriza a relação entre um policial e um informante, e nenhuma tratativa tinha a ver com informações importantes para investigações policiais.

14 de setembro de 2022: dia da Operação Queda da Bastilha. Foto: PF/Divulgação

 

Parte dos diálogos anexados no processo

A defesa do delegado chegou a alegar que as ofertas de ajuda “eram promessas vazias”, parte de uma técnica de aproximação, e que promotores do MP e delegados da PF sabiam dessa relação policial/informante.

“Mais uma vez, porém, não arrolou quaisquer dessas pessoas para fins de corroborar o seu álibi”, ressalta o magistrado.

“Ademais, vale ressaltar que, dos quatro dias de diálogos obtidos entre o acusado e Ryan Richelle, três deles ocorrem por iniciativa do acusado que, longe de buscar qualquer informação para auxiliar nos trabalhos da Polícia Civil, apenas demonstrava interesse na possível soltura de Ryan – e não para impedi-la, como visto acima, mas sim para auxiliá-lo”, comentou.

Agentes do Gaecco e PF acompanham transferência de Ryan Michele no dia 23 de setembro para Mossoró…

…feita em avião comercial

Fuga

O juiz ressalta que o delegado sabia do plano de fuga de Ryan, já que o líder da FTA tinha deixado isso evidente numa conversa.

“A conversa, como se vê, deixa absolutamente claro que já havia um imóvel certo e determinado como opção, e que o acusado (delegado) havia auxiliado em encontrá-lo. Nesse mesmo diálogo, aliás, 4 minutos mais tarde, Ryan frisa ao acusado que não passaria nem um mês em Macapá. Ou seja: o acusado, na condição de autoridade policial, estava concretamente auxiliando um líder de facção a obter um imóvel para sua estadia após a saída do estabelecimento prisional, mesmo ciente de que ele declaradamente fugiria na sequência, o que não causou mínimo constrangimento ao acusado, evidenciando, mais uma vez, o vínculo criminoso entre ambos”.

Ainda mencionando provas do processo, o juiz afirma que o delegado passou a integrar a facção com a função de prestar “auxílio intelectual e jurídico, se dispondo a falar com autoridades do Poder Judiciário, inclusive com ofertas de valores para o desempenho dessa função”.

Durante muitos anos, o delegado teve atuação marcante na DTE. Fotos: Olho de Boto/SN

Celular escondido

O juiz Luís Conversani ressaltou ainda que o delegado não conseguiu comprovar que existiram outros diálogos seis meses antes, que provariam a teoria da aproximação com um bandido para fins de investigação, e lembrou que o delegado teria tentado esconder um celular dentro da descarga do vaso sanitário de sua residência, no dia do cumprimento do mandado de prisão na Queda da Bastilha.

“O que o acusado fez durante a investigação foi, isto sim, buscar destruir provas, inclusive escondendo o próprio aparelho celular dentro da caixa de acoplamento do vaso sanitário. Ressalto que o acusado, mesmo com a apreensão desse e de outros equipamentos, nunca forneceu a senha para acessá-los”.

Além da pena de 10 anos e dois meses e de uma multa, o delegado foi afastado das funções imediatamente, e condenado à perda da função pública, ou seja, à demissão do serviço público. Ele poderá recorrer da sentença em liberdade, mas não poderá ocupar cargos públicos pelo prazo de oito anos.

O juiz determinou que o processo, agora julgado, seja encaminhado para a Corregedoria da Polícia Civil para as medidas necessárias.

 

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